terça-feira, 24 de dezembro de 2013

CORROÍDAS

- Espectadores do c´anal aberto, bem vindos à última volta da grande corrida de fome e gula. As bandeiras agitam-se freneticamente colorindo a emoção que transborda das bancadas. Já se avistam os concorrentes na curva que antecede a recta final. Os motores nos limites, as mãos crispadas no volante, o olhar fixo na bandeira de xadrez, eles aí vêm num galope ensurdecedor. A corrida vai ser decidida em cima da meta e eis que, em primeiro lugar, passou um concorrente com três litros de leite, dois pacotes de arroz da marca pico dasse e duas caixas de palitos, das pequenas. Colado ao primeiro, passou o segundo concorrente também com três litros de leite e dois pacotes de arroz, da marca cão que mente, mas apenas com uma caixa de palitos. Em terceiro passou um concorrente com os mesmos três litros de leite e os dois pacotes de arroz, comprados numa promoção, mas sem qualquer caixa de palitos. Que bela corrida esta a que tivemos o privilégio de assistir. Tanto empenho e tanta entrega! Dentro de momentos terá lugar a habitual sessão de fotos após o que se seguirá a consagração dos vencedores com a entrega dos prémios. Ao primeiro classificado caberá o troféu "consciência aliviada", ao segundo o troféu "obrigação despachada" e ao terceiro o troféu "ai que generoso que sou".
Para o ano cá estaremos para mais uma explosão de adrenalina e, claro, de solidariedade.
Até lá.

domingo, 13 de outubro de 2013

BATE-TE


Descalçou as luvas, afastou a capa e afundou-se no sofá. Sentia-se cansado. Não o cansaço habitual, físico, mas um cansaço de identidade. Era apenas um homem mas o símbolo que criara não deixava que fosse apenas um homem. Ainda os perseguia nas trevas, mas há muito que eles as dominavam. Já não assaltavam bancos ou apontavam armas a vítimas indefesas. Compravam consciências, corrompiam-nas, usavam-nas para eternizarem a sua força. Não sabia se o seu poder negro alguma vez superaria o branco dos colarinhos deles. De repente um morcego raspou na vidraça da sala e mergulhou na noite, interrompendo-lhe o pensamento. Reclinou lentamente a cabeça para trás mas não retirou a máscara. Continuava a precisar dela para destruir a deles.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

SERÁ SEGURO?



Sou craque em publicidade
Tenho o curso completo
E a minha especialidade
É colar autarcas ao tecto

Tudo o que faço é pelo tacho
Que eles querem agarrar
Ponho-os de cabeça para baixo
Num país de pernas para o ar

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

EU TOPO



Na banca de hoje está tudo inventado. Por isso, quando aparece alguém que alcança sucessos tão deslumbrantes quanto maravilhosos, só deve ter dois destinos; ou vai para o topo ou vai para a rua. Em Portugal, infelizmente, houve alguns que deveriam ter ido para a rua mas acabaram no topo.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

ANDROIDES



Ela era linda. Ele não tinha palavras para tanta beleza. Não conseguia ir além do "És altamente". Defeito de família. O pai só dizia "Vai no Vatalha", a mãe "Tá certo", o avô, "Pas..." e a avó, cozinheira, era conhecida pela muda das iscas. Um dia, pensou em escrever-lhe um poema, mas só se lembrava das armas e dos barões que por acaso até eram... altamente. Pensou arriscar a linguagem gestual, mas teve receio que ela preferisse a prosa. Pelo menos de início. Sentia um desespero lexical e nem sabia. Como não sabia dominar as vogais e as consoantes que bailavam furiosamente à volta da sua cabeça. Não era justo que as miseráveis o impedissem de declarar o seu amor. Agarrou-se à internet como um náufrago e procurou a melhor frase romântica. Aproximou-se dela, mas não conseguiu dizer-lha. Enviou-lha por telemóvel "Gostava de provar o sabor aveludado dos teus lábios". Ela, sensibilizada, respondeu, também por telemóvel:´
- "És altamente".

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

AI LIÇÕES



Beus abigos,

Abós uma brelongada entrospecção axiomático-vinhadeira sobre a ezênzia da sede, concluí que, neste espirituoso mundo em que bebemos, cu existem dois tipos de sede; a sede vinígola e a sede de poder. Guriosamente, esdamos perande sedes com muitos pondos comuns. Em ambas temos castas; na sede vinígola são as castas que apuram o produto; na sede de poder, castas o produto que apuram e depois bê-se. Na sede vinígola temos copos; na sede de poder temos tachos. Na sede vinígola temos gente que gosta de botar para vaixo; na sede de poder botamos em gente que a seguir nos bota avaixo. Barece confuso mas, se boberem um maduro tindo do bom, bom ber que cumprendem num insdante. Voi assim que eu fiz esta reflexão e por mim até continuava a reflectir o dempo que vosse breciso. O porvlema é que no Domingo bou ter de eleger uma pinga. Num gosto da do CDS (Carrascão Deteriorado e Sarrento); num gosdo da do PSD (Pinga Sempre Duvidosa); tamém num gosdo da do PS (Palhete Seco). Todos dizem que adoram o Porto. Pudera, num há outra pomada igual no mundo. Mas, beus abigos, esgolham bem, borgue muitos dezes gue por aí andam a dizer izo, se lhe puderem botar a mão transformam-no numa zurrapa. Tenho pito, quero dizer, dito.

Zaudazões binhadeiras deste vozo,

Manel Bezaina

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

PORTO FORTE?


Caros candidatos,

O Porto é forte. Na exclusão social, no desemprego, nas filas para a sopa dos pobres, nos negócios copofónicos travestidos de revitalização da baixa, no lixo pelas ruas, no cheiro a urina.

O Porto é forte na funcionalismo público tacanho que assaltou a mentalidade dos que tomaram o poder autárquico da cidade nos últimos anos, bem assim como dos seus seguidores.

O Porto é forte na incompetência e na invisibilidade das polícias (PSP e Municipal).

O Porto é forte no estacionamento selvagem e no desprezo pelos peões, com a total conivência das tais polícias.

O Porto é forte na falta de segurança rodoviária, privilegiando os carros em detrimento dos cidadãos. Precisamente o contrário do que se faz nas cidades mais evoluídas da Europa.

O Porto é forte nos seus desertos de pedra, que uns quantos "intelectualóides" pagos a peso de ouro com os impostos do povo ou com os dinheiros vindos da Europa, insistem em chamar praças. Antigamente eram locais aprazíveis onde as pessoas estavam e conversavam. Hoje apenas as atravessam.

O Porto é forte em baldios, em descampados, em lixeiras a céu aberto. Muitos poderiam ser espaços verdes para fruição da população.

O Porto é forte em edíficios decrépitos, a ameaçarem ruína, fruto de políticas que tanto incentivaram a migração para a periferia, contribuíndo para a lucrativa selva de betão que cercou a cidade.

O Porto é forte na poluição do seu Rio Douro.

O Porto é forte nos mergulhos terceiro mundistas dos miúdos nas suas àguas, à procura de moedas, lançadas para deleite de turistas.

O Porto é forte na falta de civismo que as autoridades autárquicas e as policias alimentam com a sua inércia e o seu absentismo.

O Porto é forte na degradação dos seus espaços públicos, de que toda a zona da Foz do Douro é um dos principais exemplos.

O Porto é forte. Na imensa fraqueza que os partidos que vos apoiam lhe infligiram durante anos a fio.

Se ganharem as eleições, continuaremos a ter esse Porto forte?

domingo, 22 de setembro de 2013

É A BUZINA DA JOVELINA



Cessinho Filho,

Acabamos de aconchegar uma orelheira de porco com couve e feijão vermelho que, não desfazendo, estava um consolo. Quando me veio à lembrança que é um dos teus pratos predilectos e tu sem le poderes botar o dente, até se me deu uma pontada do lado direito. Deve de ser as saudades a alojar-se na visícula.

Por aqui, em Afanães, as coisas têm continuado em boa estagnação, tirando o avô Epifâneo. Não sei se foi do bicho se atrasar um bocadito, o certo é que ganhou semelhante cisma ao cuco do relógio que nem queiras saber. Sempre que o bicho vinha cá fora dar horas, punha-se a insultá-lo do piorio. Às tantas, o cuco, já só botava a cabecita de fora e todo a tremer. Passou a ter uma profissão de desgaste rápido. Um dia, o avô enervou-se tanto que, quando tal, pegou no fusil do tio Negos e mandou-le um balázio. Felizmente não le acertou, mas fez um buraco atestado na parede da sala. Por acaso até me deu jeito porque assim passei a ter serventia para a cozinha sem ter de ir à volta pela porta. O teu paizinho, mal ouviu o estrondo, apareceu logo com o bombo à barriga. Pensou que era o grupo de Zés Pereiras a começar o ensaio. Para acabar com o assunto, tive de dizer ao avô que o cuco se apagou. Agora, espero que ele se vá deitar e só depois é que aproveito para ir dar de comer ao bicho, tadito.

O teu paizinho, esse também anda um bocadito diferente. Para desenjoar do bombo, deu-le para cantar músicas românticas. Sobretudo quando vai defecar. A que ele mais gosta é a do " Recordar é viver " do Espadinha. A parte do " Foi em Setembro que te conheci " ainda vai, mas quando chega ao " Trazias nos olhos a luz de Maio " já está em esforço. É do puxar. O romantismo do teu paizinho é um consolo. Cheira um bocadito mal, é certo, mas alivia. O maior problema é o avô Epifâneo. Mal ouve o paizinho a cantar, dá-lhe semelhante ataque de saudades do cuco que desata num pranto. E não há quem o cale. Segue-se que um dia até me apeteceu dizer-le que era tudo mentira, mas o cuco, antecipou-se e apareceu cá fora todo lampeiro. Mal o viu, o avô foi logo buscar a fusca e fez outro buraco na parede. Este vou ter de o mandar cimentar. Ou então mando-o nacionalizar que é o que está na moda fazer aos buracos, não é?

De resto, corre tudo dentro do normal, tirando a campanha para as eleições. Como se esperava, o Toninho recandidatou-se à Câmara. Desta vez anda a prometer que se deitarmos nele vai inaugurar umas termas em Afanães, mas não umas termas quaisquer. Estas só vão ter tratamentos à base de vinho, que é muito bom para o reumático e, a bem dizer, para tudo em geral. Nem queiras saber a quantidade de afaneneses que já anda para aí a queixar-se de reumatismo.

Finalmente, quero dizer-te que um dia destes vamos aí visitar-te e levar-te coisinhas boas de Afanães para te atrofiar as saudades. O paizinho promete que leva o bombo para dar ambiente, está bem?

Até lá recebe beijos desta tua mãe que se assina,
Jovelina

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

DE SUCESSO EM SUCESSO, VAI ANDANDO O ABCESSO


Querida Mãezinha,

Perdi-me dentro de mim
No labirinto do meu ser
E quem me fez perder assim?
As saudades de te não ver

O início desta missiva, ter-te-á, porventura, espevitado para uma legítima surpresa decorrente da minha veia poética. Descobri, efectivamente, que sou talhado para o verso e da forma mais inverosímil: através da minha nova profissão. Com efeito, fui admitido numa empresa de cobranças difíceis que abundam aqui na cidade. Trata-se de um serviço promissor, pois que, verifica-se uma acentuada e até crescente tendência das pessoas para não honrarem as obrigações contratualmente assumidas. Nem essas, nem aliás, quaisquer outras.

Na dita empresa expuseram-me que deveria ser inflexíveil, altivo e até contundente no exercício das funções cobrativas. Mas, Mãezinha, uma vez mais o meu espírito inovador falou mais alto. Considerando que tais métodos não se adequariam da melhor forma ao pretendido desiderato, contrapus com uma abordagem inédita, dizendo-lhes de improviso:

Créditos por mãos alheias
Não conheço essa expressão
Caiem nas minhas teias
Pagam até ao tostão

Convencida a entidade patronal da originalidade do meu método, parti de imediato para a recuperação creditícia. A minha primeira abordagem, junto de um senhor devedor, pautou-se pela rima elegante:

Estimado cliente
Não pretendo incomodar
Mas ficaria contente
Se nos pudesse pagar

Tal como eu, o senhor era igualmente talhado para o verso e respondeu-me a contento:

Falaste bem e depressa
Mas nenhuma orelha te ouviu
Vai falar com essa pressa
Para p...

Naquele preciso momento, Mãezinha, passou uma camioneta da campanha eleitoral e não consegui ouvir a parte final. Bem pena tive porque seria com certeza uma boa rima. Confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha.

De outra vez, porém, a diligência recuperativa não logrou um desfecho tão positivo. Assim que soube do meu propósito, o senhor devedor endossou-me uma soca directa à caixa craniana, que me atingiu na zona capilar superior. Sentindo um empolamento, que já me é infelizmente familiar, repreendi-o de pronto:

Desculpe V. Excelência
O que fez foi muito feio
Peço-lhe mais decência
Que, de galos estou cheio

O senhor relapso, retorquiu:

Foge lesto para a toca
Não te metas em apuros
Se não vai a outra soca
Para te pagar com os juros

Nesse dia, experienciei ainda outra vivência recuperativa que, igualmente, não poderei apelidar de agradável, ainda que, dessa vez, tivesse sido mais afirmativo:

O senhor é caloteiro
Sempre com a mesma cassete
Mas eu saco-lhe o dinheiro
Com um golpe à 007

O devedor, porém, não se intimidou e respondeu:

Eu cá não tenho dinheiro
Por isso, que me queres tu?
Vou assentar-te um biqueiro
Nesse olho cego do...

E, antes de acabar a rima, assentou mesmo. Confidencio-te, Mãezinha, que a latejância galinácio/craniana, bem assim como a nova inflamação do enes, resultantes do exercício profissional, trouxeram-me à lembrança tristes momentos anteriormente vividos.

Desconheço se manterei esta actividade por muito mais tempo, mas de uma coisa estou certo; necessito que me endosses com urgência mais um garrafãozinho de aguardente, pelos motivos que são por demais do teu conhecimento.

E com dor assim termino
Mas não quero que tu penes
Num instante fico fino
Quer dos galos quer do enes

Recebe um beijo deste teu rebento amado,
Abcesso Inocêncio Truncado

domingo, 8 de setembro de 2013

EU JOVELINA, SOU UMA MINA


Cessinho Filho,

Espero que continues de boa andadura que ainda tens muito que palmilhar.

Desta vez tenho uma notícia sobre o triste para te dar. O teu paizinho acamou, quer-se dizer, foi acamado e está de todo. Passo a expôr: a semana passada foro as festas de Afanães em honra da nossa senhora da saúde. São umas ricas festas, que dão muito ser à nossa terra. Correram que foi um consolo, tirando a procissão. Estava um calor desgraçado e era assim de povo. Quando a procissão saiu, o Quim sacristão viu a Micas gorda na assistência e ficou baralhado das ideias. Segue-se que, em vez de botar no altifalante da torre sineira o "avé maria", botou o "quero cheirar teu bacalhau, maria". Por acaso até não foi confusão por aí além, porque tanto uma como outra tem a maria. O problema foi o home da micas. Ia ao lado do paizinho a alancar com o andor da nossa senhora, não gostou, largou o andor e foi-se ao Quim. Valeu o Sr. abade que levava o incenso ao dependuro. Mal viu o home da micas a correr para o sacristão, levantou o incenso, rodopiou três vezes e mandou-lo à testa que foi um mimo. O home da micas não caiu, mas começou a fazer um discurso à presidente da República, só que com mais espuma nos cantos da boca. No fim ninguém percebeu nada mas, mesmo assim ,teve uma ovação em cheio. Até o Quim e a Micas batero palmas. O maior problema foi o paizinho. Quando o home da micas largou o andor, a nossa senhora da saúde veio por ali abaixo e atracou-o. O paizinho ficou preso e começou a gritar:
- Ó da guarda! Ó da guarda!
Gritou tão alto que o cavalo da GNR assustou-se. Segue-se que desalancou o guarda, daqueles que uso uma vassoura atrás do capacete, que foi aterrar direitinho em cima do paizinho. E ainda dizem que a guarda demora a vir quando é chamada. Para piorar, uma estepor pôs-se a dizer que a culpa era toda da Micas e a Micas agarrou-se-le aos cabelos. Sei dizer que rebentou semelhante sessão de pinhanha, que até os anjinhos andaro por o ar. Nessa mesma tarde foram presentes a tribunal cinco anjinhos, incluíndo o avô Epifâneo, que teve de fazer de anjinho por falta de crianças, um S. João Baptista que enfiou uma pera no Senhor dos Passos e dois franciscanos. que andaram a puxar o fio um ao outro. De testemunhas foro os três pastorinhos, mas dissero que não viro nada. Pudera, se eles tivesse visto era milagre. O paizinho, esse ficou tão espalmado que agora parece uma solha, com os olhinhos sempre a olhar para o mesmo lado. Por sorte é para o lado onde está o bombo. Tenho-le dado aguardente com fartura para le chupar o pisado e ele não se tem importado por aí além. Vê lá tu, tão devoto da senhora da saúde e foi ela quem o botou de cama.

Mas não te preocupes; à velocidade que a aguardente le está a chupar o pisado, não tarda está outra vez a desancar no bombo com alegria e bravura.

Fico à espera dos teus beijos. Até lá recebe os meus, desta tua mãe que se assina,
Jovelina

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

LIGA DOS ÚLTIMOS


Falou o primeiro e disse
Sem reformas não há futuro
Eu digo que é vigarice
Com reformas é furto duro

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

EU ABCESSO, NÃO TROPEÇO


Querida Mãezinha,

Que um manto de beijos te cubra e, bem assim, ao paizinho, à restante família e a Afanães em geral. Guardo-vos a todos no coração, cada vez mais ateroscleroso de saudades.

Antes de mais, pretendo informar-te de que já não sou cabeleireiro. O Bi chegou ao fim do mês e quis pagar-me em géneros. Eu, sinceramente, achei curto e, modéstia à parte, julgo poder alcandorar-me a coisas maiores.
Senhor de um espiríto assaz pertinente e proficuamente adequado a quem persegue um lugar ao Sol, empreendi uma nova colocação profissional. Desta vez num serviço de reclamações. O estimado colega que me ministrou a formação, iniciou por me incutir o lema maior da repartição:

SE FOR URGENTE TEM TEMPO, SE FOR MUITO URGENTE ESPERA-SE QUE PASSE A URGENTE.

A segunda lição versou sobre a operativa organizacional. Transmitiu-me que deveríamos recepcionar todas as reclamações e colocá-las numa pasta com o título ASSUNTOS A TRATAR HOJE. Tal pasta situava-se mesmo ao lado de outra que tinha por título ASSUNTOS A TRATAR AMANHÃ. Assegurada esta tarefa, sentavamo-nos, cada um em sua secretária e entabulávamos amenas cavaqueiras, líamos o jornal ou degustavamos café, com intervalos de meia hora. Regra muito importante; no final do dia, passávamos todos os documentos que se encontravam na pasta dos ASSUNTOS A TRATAR HOJE para a dos ASSUNTOS A TRATAR AMANHÃ. No dia seguinte voltávamos a transferi-los para a pasta dos ASSUNTOS A TRATAR HOJE, mantendo assim o serviço aprumado e sempre em dia. Posso assegurar-te que o trabalho corria fluente e sem desgaste cerebral ou outro.

Sucede, porém, Mãezinha, que, levado pela argúcia que não deixarás de me reconhecer, entendi ir mais além e criei a pasta dos ASSUNTOS A TRATAR ONTEM. Completei na perfeição o círcuito organizativo com o ONTEM, o HOJE e o AMANHÃ. Passei a recepcionar todos os documentos na pasta dos ASSUNTOS A TRATAR HOJE e no final do dia transferia-os para a pasta dos ASSUNTOS A TRATAR AMANHÃ, conforme me tinha sido leccionado. No dia seguinte, transferia-os para a pasta dos ASSUNTOS A TRATAR ONTEM. Os mais urgentes, passava-os para a pasta dos ASSUNTOS A TRATAR HOJE e os menos urgentes ficavam a aguardar vez na pasta dos ASSUNTOS A TRATAR ONTEM. Só os mudava para a pasta dos ASSUNTOS A TRATAR HOJE, depois de transferir os urgentes para a pasta dos ASSUNTOS A TRATAR AMANHÃ.

Posso afiançar-te, Mãezinha, que o exercício da função jamais conheceu níveis tão elevados de desenvoltura. Por isso, é com indisfarçável orgulho, que afirmo, perante ti, que fiz a diferença. E que diferença. Vê tu que um dia, passou pela repartição um director que denotou tal satisfação pelo meu desempenho que me concedeu logo uma folga. E sem prazo. Nos dias que correm, em que tudo é a prazo, tal atitude foi bem demonstrativa do seu apreço. E de tal forma reconheceu a minha obra que até me disse: - Vai mas é para as obras!

Não coube em mim de contente. Só passei a caber quando o indicado director me endossou as pastas à caixa craniana, com certeira pontaria. Cheguei a pensar que o pobre senhor padeceria de bipolaridade mas, só depois, descobri que não. Sem saber, havia-lhe copiado o método de trabalho, motivo pelo qual não apreciou o meu involuntário plágio.

Pelo exposto e, como terás já certamente depreendido, necessito que me remetas mais um garrafãzinho de aguardente. É que a avaliar pela proeminência dos talos, não tardará e começarão a cantar os galos.

Recebe beijos deste teu filho galado,
Abcesso Inocêncio Truncado

domingo, 1 de setembro de 2013

OLHÓ OS GIGANTONES


- Ó rui acha que...
- Pauloca, não me chame rui, para não me confundirem com o outro
- Pronto, ó mor, acha que...
- Pauloca, não me chame mor que isso é o que as mulheres do povo chamam aos homens delas
- Tá bem. Ó rumor, acha que...
- Pauloca, eu sou um candidato assumido, não sou um rumor
- Muito bem. Ruru, acha que este branco me fica bem?
- Claro, não vê a menina que eu também tou de branco
- Ó ruru, mas pa quê?
- Pa dar um ar sério e dinâmico
- Ó ruru, mas é tão pindérico. Eu gostava de uma peça mais garrida, um colar de pérolas, uma mala louis vuitton, sei lá
- Não seja estúpida. Temos de fazer de conta que também tamos em crise
- Tá bem. Ó ruru e o nosso partido é mesmo o Porto?
- Claro que não. É para nos identificarmos com os tripeiros.
- Ui, que horror. Destesto tripas com os feijões e mais não sei o quê
- Pauloca, faça das tripas coração
- Tá bem. Ruru, só mais uma pergunta
- Sim pauloca
- Onde é que fica Paranhos?

É GENUÍNA, QUE É DA JOVELINA



Cessinho Filho,

Sou-te franca, as saudades são tantas que às vezes até fico afrontada e tenho de arrotar. Sempre alivio a emoção e arejo o canal. A distância que nos separa deixa-me cada vez mais entupida mas, infelizmente, todos estamos expostos aos solavancos da vida. Que o digo o Berto e o Catotas que emigraro para a França no carro de uns amigos. Como o carro ia cheio tibero de ir na mala, que estava toda podre da ferruge. Segue-se que ao passar por um solavanco, a mala assapou e o Berto e Catotas malharo na estrada. Os outros não dero por nada e seguiro viagem. Resultado: estão bem que bem na França e o Berto mais o Catotas foro apanhados a gamar cobre nos postes de electricidade. Não se pode dizer que não tenho subido alto, mas apanharo semelhante descarga que viero por ali a baixo, que parecio torresmos. Lá diz o ditado, quanto mais alto se sobe, mais negro se fica.

Eu também me tenho visto negra desde que a tua irmã Mila arranjou um namorado novo. Não desfazendo, ela até escolheu bem os dezassete primeiros, mas tenho a impressão que este deve ter vindo doutro planeta. A gente fala-le e ele só responde "tá-se", "bué", "cu" ou "cool", ou lá que é. Parece um androide. Por causa disso, a semana passada até houve uma confusão. A Mila queixou-se que não tinha rede para o androide. O teu pai ouviu, foi logo ao Fredo da drogaria e trouxe dois rolos dela. Pensou que o namorado da Mila queria fazer um galinheiro. Só depois é que a tua irmã le explicou que era rede, mas de telemóvel. O teu pai voltou à drogaria mas o Fredo disse-le que dessa rede não tinha, mas que ia já encomendá-la.

Apesar das dificuldades, meu filho, nem tudo é mau. Por exemplo, quando onte acordamos, tivemos uma surpresa que não é para todos; o rio Crostas, que passa aqui em Afanães estava todo azulinho petróleo, que dava gosto vê-lo. O presidente da Câmbra, o Toninho, está até a pensar candidatá-lo às maravilhas de Portugal. Sim, porque rios não falto, mas azuis não há muitos. Isto dá pujança à terra e não tarda está a botar por fora de turistas. O Toninho vai também menagear o Adolfo da tinturaria pelos bons serviços prestados. Por acaso o Adolfo até é um bocado troca tintas, mas há outros bem piores que já foram menageados, de formas que para mim é tinto.

O que interessa é que estamos em boa propagação e até há quem diga que é bom para o rendimento per capita. Por acaso essa história não me cheira bem, porque sempre houve per cá pita e nunca ninguém precisou de a pôr a render.

Despeço-me, contando todos os minutos para voltar a ter nas mãos mais uma escritura das tuas. Até lá recebe uma beijoca daquelas tipo desentupidor da banca.

Desta tua mãe que se assina,
Jovelina

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

SÓ CAVACOS



- Ó maria, isto está tudo queimado
- Ó níbal, tu bem sabes que é assim nesta época
- Ó maria, mas isto está tudo queimado
- Ó níbal, não te tivesses esquecido da agricultura e das florestas
- Ó maria, isto está mesmo tudo queimado
- Ó níbal, não te tivesses virado só para o betão
- Ó maria, isto está queimadíssimo
- Ó níbal, mas afinal de que é que estás a falar?
- Dos meus fusíveis, maria...

MAIS UM ARREMESSO DO ABCESSO



Querida Mãezinha,

As saudades são víboras que envenenam o meu coração e aumentam a distância que nos separa. Não fosse o antídoto destas palavras e seria um farrapo humano, buscando desesperado o caminho da salvação, isto é, do lar.
Estou melhorzinho. As aplicações de pomada no enes e de aguardente nos galos, lograram proporcionar-me um efectivo alento. Voltei a acreditar, perseverei e, enfim, alcancei uma nova profissão. Desta feita num salão de cabeleireiro de senhoras. Estou rodeado de mulheres mas não te preocupes, Mãezinha, que sei tomar as devidas cautelas. Em Afanães as raparigas eram sobre o atrevido e várias foram as vezes em que tive de me dar ao respeito. Na cidade, mais do que atrevidas, as mulheres são deveras atiradiças e até mesmo inconvenientes. Vê tu que há dias, estava eu a fazer um brushing e uma safada teve o desplante de me afagar, digamos, o traseiro enquanto dizia alto e a bom som:
- Que rico cagueiro!
Desta vez, Mãezinha, transcrevi textualmente o que foi dito pela desavergonhada para que percebas aquilo a que uma pessoa honesta está sujeita, para ganhar a vida. Dei-lhe logo para trás e mandei-a à missa. Sim, porque o que elas querem é abusar do meu corpo, para a seguir fugirem e deixarem-me um filho nos braços, não é Mãezinha? De resto só tenho a dizer bem. Todos me acarinham, sobretudo o Bi, que é o dono do salão. Não desfazendo, é uma doçura. Dá-me repetidos e inusitados mimos. Eu permito mas estou alerta. É que ainda me recordo das mesuras dos anteriores patrões e a seguir foi o que se viu. Às tantas o Bi é só carinhos e depois também me deixa o enes inflamado.

Quando se der o o ansiado momento do nosso reencontro, prometo que te faço um frisado com mechas longas, a condizer com o teu buçinho. Ao pai reservo-lhe uma pala frisada em degradé e cachos de caracois no bigode, a condizer com o bombo. Mas não lhe desvendes por ora o teor desta confidência, que o pretendo surpreender a contento, está bem?

Até lá, recebe todo o amor do mundo neste beijinho rechonchudo que te endosso.

Deste teu filho amado,
Abcesso Inocêncio Truncado

domingo, 25 de agosto de 2013

BOTA VASELINA ,QUE QUEM TE DIZ É A JOVELINA



Cessinho Filho,

É possível que desta vez a minha letra chegue aí tremida porque, no momento em que te escrevo, estou a cortar as unhas dos pés ao avô Epifâneo. Com a idade, pusero-se grossas que parece placas de contraplacado. E as estepores cresce num instante que, se a gente não as cortar, quando tal, o avô já pode dormir em cima dum poleiro, que num cai.
Foi com a tristeza a cortar-nos o coração como fatias de presunto, que ficamos a saber que aí, na cidade, também te aplicaram a austeridade. Nós, por cá, já a sentimos há muito, pois que cada vez há coisas mais caras e menos coroas. Então, da gasosa nem é bom falar. Felizmente o teu pai teve um daqueles ataques de inteligência que lhe costumo dar quando está a desancar no bombo e descobriu que a nossa furgoneta gasta menos se andar de marcha atrás. Desde então, nunca mais quis outra. Agora andamos de marcha atrás para todo o lado. Torna-se um bocadinho difícil a ultrapassar e a tirar o talão nas portages, é certo, mas poupa-se que é um consolo. À noite, botamos um capacete de mineiro no avô e pômo-lo na mala com a cabeça de fora a alumiar. Quando o teu paizinho quer dar máximos, assenta-le com a maceta do bombo na tola, que a luz aumenta logo. Não sei é se fará bem ao avô. Cada vez que ele leva uma foeirada grita: - Fujam pós abrigos! Deve vir-le à ideia a política, tadito. A verdade é que, mesmo esquecidinho, passou a ser a luz que nos guia.

Cessinho, vou-te mandar pomada para o olho inflamado e mais um garrafãozito de aguardente para esfregares nos galos. Por fora e por dentro. Mas atenção, não troques as mãos; se botas a pomada nos galos e a aguardente no olho, passas a correr os 100 metros mais rápido do que o gajo da Jamaica.

E acima de tudo continua a acreditar. A cêpa está torta, por agora, mas se continuares a insistir vais ver que, não tarda, a endireitas.

Recebe beijos meus e nossos, madurinhos de saudades.

Desta tua mãe que se assina,

Jovelina.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

EU ABCESSO, ESTOU DE REGRESSO


Querida Mãezinha,

Vagas enormes de saudades submergiram-me e, qual tsunami voraz, arrastaram-me para o fundo do meu sofrer. Sim, sinto-me afogado se bem que, para isso, também tenha contribuído o último garrafãozinho de remédio que me endossaste. Perdoe-me o Sr. Bezaina, meu vizinho, mas desta feita, segui o conselho dos meretíssimos da Relação e despejei-o, goela abaixo. Precisava de aliviar as agruras da vida, que tanto me têm atormentado. O alívio atingiu tal preponderância que só acordei quatro dias depois, a falar paquistanês. Não se pode dizer que fosse um paquistanês fluente, mas era muito aceitável, atento o facto de nunca ter tido contacto com a língua. Perguntar-me-ás então tu, querida Mãezinha:
- O que é que se passou, filhinho?
É com o coração despedaçado e com o fígado inchado que te passo a expor:
alcancei uma nova colocação profissional e ainda por cima numa empresa de negócios financeiros. Os patrões, senhores de educação irrepreensível e de elevado polimento, tratavam-me com uma delicadeza que me sensibilizava deveras. O trabalho, esse, nem tão pouco era desgastante, aliás nem era nenhum. Passava os dias sentado atrás duma secretária, enquanto eles faziam telefonemas. Um dia, confiaram-me duas grandes malas cheias de notas de 500€ e pediram-me para as levar a um amigo deles. Disseram-me que ele as ia branquear. Para lhes mostrar todo o meu reconhecimento, apreço e gratidão, chamei a mim a tarefa, com inusitado denodo e não inferior empenho. Adquiri uma máquina de sulfatar em segunda mão, enchi-a de cal e sulfatei as notas em abundância. Ficaram lindas de tão alvas. Mas este mundo é injusto, Mãezinha; em lugar de me agradecerem, os patrões aplicaram-me uma espécie de austeridade, sob a forma de incisivos pontapés no fundo das costas. O resultado foi que eles ficaram com as notas brancas e eu com o enes negro. E ainda nem sarei dos galos. Mas não, Mãezinha, não penses que vou esperar sentado. Até porque não posso, atento o estado do enes. Continuarei, como até aqui, a pugnar por um emprego, enquanto lhe chego laurodáme para alívio da inflamação.

Por ora, por aqui me quedo, solicitando-te mais um garrafãozinho de remédio e duas bisnagas da dita pomada que, pelo aspecto do enes, bem necessárias vão ser.

Recebe beijos deste teu filho amado,
Abcesso Inocêncio Truncado

domingo, 18 de agosto de 2013

APURA A RETINA, QUE É A JOVELINA





Cessinho, Filho,

Antes de mais quero dizer-te que as saudades que sentimos são maiores que o camartelo do Zé Bigodes, empreiteiro. Lembras-te dele, não lembras, filhinho? Era o que andava sempre cheio de canetas por fora do bolso da camisa, apesar de não saber ler nem escrever. A verdade é que lá tirou a cartita e era vê-lo a andar por aí de mercedolas descapotável, com os bigodes ao vento. Por acaso, deixei de o ver desde que o presidente da câmara, o Toninho, desfez a sociedade com ele. Diz que agora, o Zé, nem dinheiro tem para o gasunço. Mas que fez obras lindas em Afanães, lá isso fez. O centro comercial por exemplo. Só tem lojas vazias mas é todo espelhado por fora e dá muito sainete à terra. A biblioteca também ficou um encanto. Só abriu para ser inaugurada pelo Toninho antes das eleições, mas deu muita cultura a Afanães. Quase todos temos lá uma horta, no terreno das traseiras. A piscina, essa ficou a meio, mas a culpa não foi do Zé; já tinham sido as eleições e o Toninho precisou dos azulejos para a casa dele. Antes das próximas acaba-se e vais ver que vai ficar um consolo.
Por falar em sugar, aqui há atrasado tivemos uma praga de mosquitos e de melgas que nem te conto. Mas o pior não foi isso. O avô Epifânio, desde que ficou esquecidinho da cabeça, ganhou tendência para fazer coisas diferentes. Desta vez, como não conseguia apanhar os mosquitos, comprou uma latita de 20 litros de cola de contacto e untou-se todo. Apanhou mosquitada à brava, mas também apanhou o pechiché, o penico e só não foi a escrivaninha porque o teu pai tirou-la a tempo. Com uma rebarbadeira. Quando chegou ao hospital tibero de o botar de molho em acetona. Já lá está vai para uma semana e parece que é para continuar. Pelo menos teve uma coisa boa; andava com a placa a abanar e agora está ali como o aço.

Bom, por aqui me fico, desejando que te mantenhas igual a ti próprio porque, se assim for, será teu o reino do labor. Não te esqueças que bem aventurados são aqueles que são bem aventurados, compreendestes?

Recebe beijos de todos e especialmente desta que se assina,
Jovelina

PS: Já seguiu mais um garrafãozito de aguardente, quer dizer, de remédio, para o teu vizinho. A esse deve ter-le dado forte, a custipação. Aproveita e toma também que te faz bem aos galos e a qualquer outra criação que possas vir a ter.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

AI MÃEZINHA, QUE É SÓ GALOS



Querida Mãezinha,

Que esta missiva te vá repenicar de beijos, e bem assim ao paizinho e restante família, são os votos deste teu rebento, que de saudades rebenta.

Desta feita tenho uma boa nova e uma menos boa nova para te endossar. A boa é que logrei obter um emprego. A menos boa é que já me encontro desempregado. Com efeito, ingressei no serviço pós-venda duma empresa que comercializa um produto para aumentar, digamos, o orgão reprodutor masculino. Não calculas, mãezinha, a quantidade de pedidos. No fundo, são homens gananciosos que, em lugar de se contentarem com aquilo que a natureza lhes proporcionou, pretendem sempre mais e mais. Sucede, porém, que o produto comercializado não era bem aquilo que eles idealizavam. Tratava-se de uma lupa; lá aumentar, aumentava, mas não aumentava a contento. Assim, muitos foram os que se dirigiram ao serviço pós-venda, onde eu laborava, para manifestarem a sua insatisfação. Após ter recebido uma quantidade apreciável de lupas na cabeça, o que me provocou igual quantidade de erecções cranianas, vulgo galos, acabei por me desinteressar do exercício da profissão. Quero, no entanto que saibas, mãezinha, que a minha vontade de trabalhar não murchou, antes pelo contrário, continua a crescer. E sem lupa.
Aproveito para te informar que recebi o garrafãozinho de aguardente que tiveste a amabilidade de me remeter. Sucede que o vizinho de baixo, o Sr. Bezaina, que não desfazendo, é uma jóia, apareceu cá com uma constipação em elevado grau de gestação. Referiu-me que a maleita provinha de uma corrente de bar e pediu-me uma medicação eficaz para o ataque ao vírus. Avancei com um benuron, mas o paciente preferiu a aguardente. Tem cá vindo todos os dias tomar, digamos, o remédio mas, estranhamente, não lhe conheço melhoras. Por isso te peço, mãezinha, envia-me mais medicação, porque o pobre senhor ainda está muito atacado.

Por ora, por aqui me fico, ansiosamente expectando por novas.

Deste teu e vosso,
Abcesso Inocêncio Truncado

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

É JOVELINA, QUE SE ASSINA



Cessinho Filho,

As saudades que tomaro conta de nós foro tantas que até se nos incharo os dedos dos pés. O Xonas da farmácia diz que é da gente comer alheiras e mouras todos os dias, mas a mim ninguém me tira que é da tua falta. Fora os inchaços, aqui em Afanães, continuamos com a desenvoltura habitual que é, como quem diz, está tudo na mesma. Quem também tem sentido a tua falta é o nosso grupo de Zés Pereiras. Queixo-se, desde que foste embora, que o teu pai deixou de ter em quem treinar e já não anda com o bombo tão afinado. O tio Negos é que continua a ser o maior aficionado do grupo. Mal eles começo, põe-se logo a dançar que aquilo é um consolo vê-lo. Só que a dança dá-le sede e, vai daí, ele mata-a com maduro tinto. A seguir volta a dançar, volta a dar-le a sede e ele volta a matá-la. E anda nisto, todo cuntente.
Quem não deve andar lá muito é a Micas Gorda, do talho. Tudo por causa do costerol. O sinhor doutor disse-le que precisava de exercício físico e vai daí, ela pegou no Quim sacristão e foram os dois fazer ginástica. Para o motel do Zé Brasileiro. Eu bem me parecia que o Quim andava a comprar fêveras a mais. Dizem que se fartaro de fazer alongamentos. O pior veio no fim. A furgoneta do sacristão não pegou e, para ajudar à missa, ainda tinha um pneu em baixo. O Zé Brasileiro chamou o reboque e quem estava de serviço era o home da Micas. Segue-se que, quando lá chegou e os viu, deu-les logo outra sessão de ginástica. À Micas foi de body combate e ao Quim pô-lo a fazer a espargata. Sem cuecas. Não te preocupes, Cessinho, que a furgoneta já está boa. Ero velas. A Micas e o Quim, esses é que não têm aparecido. Sabes que isto do exercício físico nem sempre faz bem à saúde.

Recebe beijos repenicados meus, de teu querido pai e restante família. Ficamos à espera de novas e outras.

Tua mãe que se assina,
Jovelina

PS: se ainda estiveres a ler bota atenção: onte mandei-te um garrafãozito de aguardente por correio. Caso engripes, bebe um litrinho ao levantar e outro ao deitar que vais ver que te passa. Se começares a dançar não te importes; é porque sais ao teu tio Negos.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

EU, ABCESSO, ME CONFESSO


Querida Mãezinha,

Que esta te vá encontrar e aos restantes entes queridos de saúdinha plena, são os votos deste que tanto vos estima. Tinhas razão, a vida aqui na cidade é deveras enriquecedora. Noto, porém, que as pessoas são um bocadinho distantes. Deve ser resultado da educação, com pouco contacto entre pais e filhos. Felizmente, não faltou contacto na minha educação. Sobretudo quando o paizinho me assentava com a maçeta do bombo. Todos os dias. Ainda bem que ele pertence ao grupo de Zés Pereiras de Afanães. Assim, eu tive uma educação esmerada e ele andava sempre com o bombo afinado. Mas, também há pessoas afáveis na cidade. Ainda ontem, dirigi-me a uma menina simpática que se encontrava numa esquina e questionei-a pelas horas. Ela, gentilmente, respondeu-me 35, duas horas. Sabes, mãezinha, aqui na cidade, dizem primeiro os minutos e só depois as horas. A menina era tão simpática que até me levou para o apartamento dela. Foi tão bom. Aspirei-lhe a casa toda, pus-lhe uma roupinha a corar e até lhe mudei os lençoizinhos da cama. Tudo ao som da música do " areias é um camelo " que trago sempre no meu Walk Man. Ela ainda quis que eu brincasse com ela, mas eu disse-lhe logo que já era crescidinho para brincadeiras. Respondi-lhe bem, não respondi, mãezinha? Ela amuou e disse-me uma frase que não posso reproduzir, mas que significa que, quando os conhecimentos sobre o contacto reprodutivo escasseiam, até a zona testicular cria obstáculos. Criancisses.
De resto, continuo à procura de emprego. A semana passada estive quase. Era um estágio muito jeitoso e remunerado. Comecei a discutir a remuneração com o dono da empresa e ele a querer subir e eu a baixar. Às tantas disse-lhe:
- Estimado senhor, a minha última oferta é de 400€ por mês e não lhe pago nem mais um cêntimo. Ele achou pouco, não aceitou, mas eu também não ofereci mais. Impus-me bem, não impus, mãezinha? Ele que vá à missa, não é?
Fico-me por aqui com votos de boa continuação e aguardo, com o coraçãozinho apertado, que me dês boas novas de todos vós e de Afanães.

Deste teu e vosso,

Abcesso Inocêncio Truncado

sábado, 3 de agosto de 2013

AI A QUEDA


- Nome?
- Rui
- Idade?
- Velhos são os trapos
- Profissão
- É consoante
- Sabe utilizar bombas?
- Sei fugir delas
- Já participou em algum atentado?
- Tenho tentado
- Caro senhor, lamento mas o seu curriculum é insuficiente
- Desculpe, eu estive envolvido em milhares de acções
- Quais?
- Acções de efeito triplo
- Ainda assim, nunca teve ligações a nenhum grupo terrorista
- Não? E se lhe disser que estive na SLN e no BPN?
- Caro senhor, já podia ter dito. Seja bem vindo ao nosso grupo. Vamos já incluí-lo no nosso próximo golpe
- Qual é?
- Vamos rebentar com negócios no estrangeiro.

DE MARCHA A TRÁS


- Olha-me aquele VM
- Ganda cena!
- E o AUDI que bai atrás colado?
- Altamente
- Ei pá, e o mercedolas
- Quem mo dera
- Tamvém a mim
- Desculpem, vocês estão a ver os carros passar?
- Claro. Por isso é que cumpramos este apartamento
- E gostam?
- É do milhor
- Porquê?
- Porque bibiamos numa casa que só tinha bistas pa dois pinheiros e pa um carbalho
- E então?
- Um gajo ficaba ali especado a olhar pós pinheiros e pó carbalho
- Feito estúpido
- E depois?
- Mandamos os pinheiros pó carbalho e mudamos
- Agora sim, é sempre a vumvar
- E o barulho?
- Num é varulho, é adrenalina
- E o fumo?
- Até abre o apetite, pá...
- Ora, bamos lá inxer os pulmões de ar...

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

MUIDO À FRENDE...


Beus abigos,

Adé gue envim fez-se justiza. Andei durande anos a beber, digo, a dezer ca pinga é um facdor brodutivo e ninguém agredidou. Muidos foram os gue me guizeram zecar a goela mas, finalmente, o tribunal deu-me rezão. Acordou que " com álcool, o travalhador pode esguecer as agruras da bida e empenhar-se muido mais". E ainda por cima foi o Tribunal da relazão. Num desfazendo, eu denho boa relazão gom doda a gende, mas com os juízes da relazão nem se vala. Gende bacana gue, dal gomo eu, gosda de esguecer as agruras da bida. Ainda agui há atrazado, fomos todos à adega do Quim Palhede e gomeçamos logo a esguecê-las. Ao fim de algum dempo, já não nos lembravamos de ninhuma. Foi endão gue, um dos juízes, pegou no mardelo e gridou: - Cazo enzerrado! Zó gue bateu com danda forza, ca cabeza do mardelo descolou e apanhou o Quim em xeio na moleirinha. Já lá vão mais de guinze dias e ele ainda anda esguecidinho. Das agruras e do resto. E dambém é berdade cu alcool faz-nos empenhar muido mais. Ainda a zemana pazada, o Brujolas foi pôr o relógio no brego e esta zemana bassei por lá eu para les embrestar uma boltinha em ouro. É que a bringar, a bringar, a bida tá dificil e há muido para esguecer. Tenho tinto, aliás, tenho dito.

Saudazões binhadeiras deste vozo,

Manel Bezaina

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

COM MANHA ELEITORAL


Vai Sapião concorrer
À junta de freguesia
E a todos prometer
Muita obra e alegria

Mas primeiro há que criar
Uma imagem de vitória
De quem, para além de ganhar
Quer também ficar na História

Começa pelo cabelo
Pede a bela risca ao lado
Mas como só tem um pêlo
Deixa o barbeiro entalado

O pobre homem magicou
Fez-lhe uma puxada à nuca
Vendo que não resultou
Enfiou-lhe uma peruca

Sapião todo contente
Rasga um sorriso de artista
Mas um dente podre à frente
Manda-o logo para o dentista

Que ataca de broca em riste
Num fulgor endiabrado
Sai Sapião muito triste
Mas de riso branqueado

Segue-se o alfaiate
Para a prova da jaleca
Enfiam-lhe um terno mate
A condizer com a cueca

Chega o momento esperado
A foto para a campanha
Sapião engravatado
Está pronto para a façanha

Franze o sobrolho a preceito
Compõe um olhar de bravo
Respira fundo, enche o peito
Rebenta as calças no rabo

O fotógrafo, que é famoso
Não vai em poses de estado
Quer Sapião bem charmoso
Mesmo assim, com o cu rasgado

Pede-lhe então que sorria
Em estilo mona lisa
Para lhe dar mais energia
Põe-no em mangas de camisa

Mas eis que, de repente, tem
Uma ideia genial
E assegura que ninguém
Irá ter ideia igual

Sapião segue o guru
Faz tudo como ele diz
Tira a foto em tronco nu
Para condizer com o país

E assim meio despido
Entrou nas bocas da gente
Para uns é doido varrido
Para outros está insolvente.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

MARCADOS


- Ó maria, o bom sucesso já era
- Ó manel, o da ribeira está como há-de ir
- Ó maria, o covelo ficou bera
- Ó manel, o do bolhão está a cair

Conclusão, aos mercados não podemos ir.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

SALDAÇÃO NACIONAL



- Agora sim, estamos no rumo da recuperação
- Vamos, finalmente, valorizar o que é nosso
- E vamos aumentar a nossa riqueza
- O que é preciso é pôr os gajos certos nos lugares certos
- Tens razão, ricardo
- E influências, mota
- Chama os outros parceiros para fazermos uma parceria, digo, um brinde
- Ó azevedo, ó fernando, ó isabel, ó mexia, vamos brindar
- Já nasceu a criança?
- Já.
- Foi de parto normal
- Não. Foi por portas travessas.

domingo, 21 de julho de 2013

DAR UNS TOQUES


Já passou dos cinquenta
Que é a idade, por sinal
Em que a próstata apoquenta
E pede o toque rectal

Lá teve de ir sapião
Para o exame delicado
Sem boa disposição
E com o cu muito apertado

O doutor tinha mestria
Sabia escarafunchar
Prometeu que não doía
Para o sapião sossegar

E cumpriu o prometido
Tocou, mas sem estragar
Pediu depois, encarecido
Para o sapião lá voltar

E sapião regressou
Para mais toques no cu
Bela amizade brotou
Até se tratam por tu

Corre bem e de feição
Num intercâmbio sem dor
Pois que agora sapião
Já faz o toque ao doutor

sábado, 20 de julho de 2013

SELVAGEM E PERIGOSO



- Cagarra, cagarra qué ladrão!
Gritou a ave das selvagens assim que o avistou

- Ó maria, tens a certeza?
- A certeza de quê, níbal?
- Que as cagarras não me vão cagarr?

- Ó maria, não gosto desta ilha
- Porquê, níbal?
- Não tem palmeiras, não tem bolo rei e o Sol...
- Que tem o Sol?
- Boliqueima...

- Ó níbal, eu não te disse?
- Não me disseste o quê, maria?
- Isto aqui é tão calmo que nem precisas de seguro

- Ó maria, afinal gosto disto
- Porquê, níbal?
- Não tem "cidadões"
- E "depões"?
- Não há manifestações
- Nem confusões
- "Pões"...

- Ó níbal?
- Que queres, maria?
- Faz de conta que és o Clark Gable e dá-me um beijo à artista
- Ó maria, sentes-te bem?
- Ó níbal, sinto-me selvagem
- Porra! Antes tivéssemos ido para Porto Santo.

SALIVAÇÃO NACIONAL


- Estimado cliente, em que lhe posso ser útil?
- Eu desejava a salvação
- Nacional ou internacional?
- Há salvação internacional?
- Há. Para os que emigram
- Mas a mim, convém-me ficar
- O estimado cliente pretende, então, a salvação nacional
- E acha que a posso alcançar?
- Com certeza. Que tipo de salvação deseja?
- Dava-me jeito uma com um cursito superior rápido, meia dúzia de pessoas influentes que me ponham num cargo governativo jeitoso, onde possa ajudar essas pessoas influentes mais uns amigos que eu tenho
- Estimado cliente, essa é uma salvação perfeita
- Acha?
- E recupera o investimento que vai fazer num instante
- Como?
- Com os lucros da austeridade que lhes vai impor
- Eles aceitarão ainda mais austeridade?
- Claro. Desde que lhes façamos ver que é para a "sua" salvação
- "Sua" deles ou "sua" minha?
- "Sua" sua, à custa deles
- E se voltar a não resultar?
- Aí, o estimado cliente vai bater à porta dos amigos que ajudou enquanto esteve no governo. Costumam ser muito generosos.
- Ora, é isso mesmo. E quanto me custa essa salvação?
- Tenho de lhe confessar que é cara
- Cara?
- Dada a complexidade da sua implementação
- Qual complexidade?
- Acha que é fácil convencê-los de que os que os enterraram antes são agora os que os vão salvar?

quarta-feira, 17 de julho de 2013

ABRAM COMPORTAS



Ó portas que não te importas
Com a tua reputação
Tu sabes bem como entortas
Esta já torta nação

E há quem te siga os passos
No teu jeito alternadeiro
Disfarçando os embaraços
Para se manter no poleiro

Mas olha que neste mundo
Ainda há gente com tino
Que te vai mandar para o fundo
Atado a um submarino

segunda-feira, 8 de julho de 2013

DESCULPE, SIM?



Há quase 40 anos foi feita uma revolução contra um regime político. Em boa hora. Depois veio a globalização, acabou com os regimes políticos e subjugou tudo ao poder do dinheiro. Por isso, agora é preciso fazer uma revolução contra esse poder. E é preciso porque as pessoas são mais importantes do que o dinheiro, embora algumas ainda não tenham percebido isso.

- Ó amigo, ainda bai demorar muito a acavar a palestra? É cassim num cunsigo oubir quem é o próximo a sair do vig vrader.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

CATRAPAU (LO)


Era uma vez um menino mau 
Que sonhava com um grande pilau
Um dia o menino teve um tau
Foi ter com outro menino que tinha o maior pilau
E disse-lhe com ar de mau:
- Quero o teu pilau!
- O outro zangado agarrou-se a um varapau
Mas o menino mau não desarmou e subiu um degrau
- Ou me dás o teu pau ou xau
- O outro respondeu: - Tás é armado em carapau
Ainda apareceu um senhor que lhes pediu, com ar de calhau:
- Apertem lá o bacalhau
Mas os meninos continuaram agarrados ao pilau
Sem se importarem com o chimbalau
Os amigos aflitos a perderem cacau
Não gostaram da briga e deram-lhes tatau
E assim acabou a história com um coelho a fazer miau

Uau!

terça-feira, 2 de julho de 2013

PORTAS? ZÓ AS DO TASCO


Com boza lizenza, num percevo nada disdo. Quer-se dizer, um home endra no dasco cu goberno gumpleto e quando zai faltam dois. A seguir bolda a endrar no dasco e quando zai já faldam mais dois. Num se faz. Eu zou dagueles que só veve guando há estavilidade gobernatiba. Quando num há, fico de dal maneira breogupado que zou ovrigado a vover pa esguezer. Aos que dizem gue avuzo eu respondo gue num é borgue queira. É por gausa dos nerbos. E mais; vevo a minha pinga, zim zenhora, mas guem anda a cair zão eles. Mai nada.

Zaudazões binhateiras e bagaçais deste bosso

Manel Bezaina

quinta-feira, 30 de maio de 2013

ESPELHO TEU...




As palavras pareciam entrelaçadas numa fluência quase musical. Correu a dá-lo a ler ao primeiro homem que encontrou. Mas o homem virou-lhe as costas entretido a fotografar a sua cabeça gigantone de feira popular. A seguir foi ter com outro encostado a um varandim. Esse não tinha rosto, talvez para não beliscar a paisagem que lhe recortava a silhueta. Estonteante, pelos vistos, a paisagem. Não desistiu. Foi adiante mostrá-lo àquele e mais àquele e a mais a outro ainda, mas nenhum deles tinha tempo para ter rosto. E o homem parou. Percebeu que valia a pena dar a cara. Abeirou-se de um banco de jardim e ali o deixou. A seguir todos se acercaram. Para conhecerem o rosto. O rosto que afinal não tinham.

domingo, 28 de abril de 2013

CÃOVERSAS III



- Ó costa
- Diz, cão
- Achas que os nossos bigodes nos dão uma imagem de credibilidade?
- Claro, porquê?
- Não seria melhor passarmos a usar pêra?
- Pêra, cão?
- À isaltino, costa
- Grisalha e aparada para dar pose de estado?
- E com suíças fartas
- Tás a referir-te às patilhas?
- Não, tou a referir-me às contas bancárias


- Ó costa
- Diz, cão
- O que é a promiscuidade?
- É o ferreira do amaral, o jorge coelho e o valente de oliveira
- Esses foram todos ministros das obras públicas, não foram?
- Foram, mas agora estão no privado
- Qual privado?
- O que eles beneficiaram à grande enquanto foram ministros
- Ó costa, mas isso não se chama promiscuidade
- Então?
- É parcerias público privadas, não é?


- Ó costa
- Diz, cão
- Achas que isto está assim tão mau?
- Eu acho e tu?
- Eu também, costa
- Então qual é a dúvida?
- Se está assim tão mau...
- Sim, cão?
- Por que é que vejo mais gente contra os roubos dos árbitros do que contra os roubos do governo?


- Ó costa
- Diz, cão
- O que é a bipolaridade?
- É ter praias com bandeira azul no Verão, transformadas em entulheiras no Inverno
- Achas?
- Ou rebaixar passeios para facilitar o acesso dos deficientes e dos peões e depois permitir que os carros estacionem em cima deles
- Ai, sim?
- Ou gastar milhões a recuperar património público e a seguir deixá-lo ao abandono
- Ó costa, mas isso não é bipolaridade
- Então?
- É gestão moderna, não é?


- Ó costa
- Sim, cão
- Gostava de ser um cão de marca
- Com o teu aspecto era perigoso
- Porquê, costa?
- Iam pensar que eras de contrafacção
- Tantos que há por aí e logo tinha de me sair um dono rafeiro


- Ó costa
- Diz, cão
- Tenho uma sensação esquisita
- Qual é?
- Acho que anda alguém por trás de nós a controlar o que dizemos
- Não é possível, agora há liberdade de expressão
- Pelo sim pelo não é mhelhor ter cuidado, costa
- Ó cão não me digas que tás a ficar com falta de to matos?

domingo, 21 de abril de 2013

AXA OU NÃO AXA?


- Isto está super giro!
- E cheio de pessoas bonitas!
- Pipo, eu bem lhe disse que valia a pena vir à inauguração
- Ó pipa, aprecie esta peça fantástica
- Qual?
- Esta, em vermelho flamejante, a simbolizar as vitórias da ferrari
- Pipo, isso é o extintor
- Ó pipa, está aqui outra giríssima
- Onde?
- Pendurada no tecto. Deve simbolizar pensamentos superiores
- Ó pipo, isso são os cabos eléctricos
- Ó pipa, não consigo perceber uma coisa
- Qual?
- Todo este pó, simboliza o quê?
- Simboliza o nevoeiro de que as consciências se vão libertando através da arte
- Pois....
- Ó pipo, venha ali ver um senhor a fazer uma performance na toilette
- Ó pipa, o senhor não está a fazer uma performance
- Então?
- Está a desentupir a sanita
- Ó nero, anda cá imediatamente! O estepor do bicho num pode ver umas obras que foge-me logo
- Ouviu pipo. Deixam entrar todo o cão e gato e depois dá nisto
- Pois, não têm cultura
- Bem faz o rui que não lhes dá nenhuma
- Claro, se não a têm para que precisam dela?
- Ó nando, diz ó tininho pá assentar. No terceiro há uma sala xeia de moedas koladas às paredes
- Ó fuskas, o tininho num save iskreber
- Então diz-le pa meter um lemvrete no tavlete
- Ó fuskas, axas ke bale a pena boltar ká per kausa dumas moedas. É ke num há mai nada
- Kala a veiça, nando, ké vem vom
- Vom foi kuando fomos ó kovre ó vatalha
- Tá vem, mas aki fikamos cum trokos pá arrumar
- Ó pipo, páre lá de tossir
- Ó pipa, é do nevoeiro das consciências
- A inauguração esteve mesmo gira, não esteve?
- Esteve, pipa, mas agora era capaz de beber 2 litrinhos de água seguidos
- O rui é mesmo o máximo. E não tarda, pipo, temos as corridas da boavista
- Ó pipa, adoro corridas
- E eu adoro todo aquele movimento do paddock.
- O paddock é aquele capitão amigo do Tintim, não é pipa?
- Ó nero, desalça a perna do sinhor sigurança. O estepor mija em cima de quem lhe apetece. Olha que é preciso ter arte!

sábado, 20 de abril de 2013

ALIADOS DA PALMILHA


Grupos de adolescentes deambulam pelas ruas em transumância etílica. Levam garrafas nas mãos, que vão esvaziando enquanto soltam graçolas.
Na Praça de D. João I, um arrumador chama pelos automóveis, agitando os braços em cadência ritmada. Grita aos que descem para o parque que, ali, na superfície da praça, é mais barato. Tem preço em conta o arrumador. E bolsa a tiracolo para facilitar os trocos.
Mais abaixo, outro arrumador, estaciona quantos carros pode na zona de Sampaio Bruno. Em tempos, foi uma zona pedonal. Há muito que deixou de ser.
Não se vê um polícia.
O vento vai espalhando o lixo e o cheiro fétido a urina. Há grafitis em cima de grafitis. Há prédios a ruir.
A Avenida dos Aliados está às escuras. As luzes foram desligadas para realçar a inauguração do edifício AXA, que a câmara parece ter emprestado às artes. Para que não digam que não apoia a cultura. O acesso é condicionado e o povo, em fila indiana, vai entrando à medida da vontade dos seguranças. Lá dentro, obras por acabar, cabos eléctricos à vista, paredes partidas e muito pó. Que se pega à roupa de gente, muito chique.
Na Rua de Gonçalo Cristovão, alguns travestis exibem, vaidosos, os seus volumosos peitos, tão falsos como a revitalização da baixa.
No Salão Latino do Teatro Sá da Bandeira, uma pequena companhia de valentes leva à cena um excelente trabalho. Sem apoios, sem propaganda da câmara, mas com muito valor. Chama-se Palmilha Dentada.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

CÃOVERSAS II



 - Ó costa, o que é que se comemora no 25 de Abril?
- A revolução dos cravos
- Tens a certeza?
- Tenho cão, porquê?
- Com tanta gente a sacar?
- Que é que tem?
- Devia era assinalar-se a revolução dos cravas


- Ó costa, tenho andado a pensar sobre a liberdade
- E a que conclusão chegaste, cão?
- Tou preocupado
- Porquê?
- Sinto falta de liberdade, costa
- Mas eu deixo-te andar à solta, cão
- Não estou a falar de mim
- Então, de quem estás a falar?
- De ti. Não há maneira de te livrares da trela que te puseram, costa


- Ó cão
- Sim, costa
- O governo diz que isto está cada vez melhor
- Custa não custa, costa?
- Custa o quê, cão?
- O que estás a sentir
- O que é que eu estou a sentir?
- O mesmo que eu, quando me atiras o osso de plástico


- Ó cão
- Diz, costa
- És um felizardo
- Porquê?
- Não pagas impostos
- E depois?
- Não tens de trabalhar para comer
- E que mais?
- Não tens a casota hipotecada
- Até para ser cão é preciso ter sorte, costa
- Pois, mas eu é que me quilho
- Porquê?
- Tenho uma vida de cão


- Ó cão
- ...............
- Ó CÃO!
- ...............
- Ó CÃÃÃÃÃOOO!
- Não grites, costa, que eu ouço bem
- Como é que ouves bem se tavas a dormir!
- Não tava nada, costa
- Então?
- Tava em reflexão presidencial


- E ofereces flores, costa
- Pois ofereço, cão
- E ofereces jantares e anéis
- E depois?
- Ainda tens de a levar ao colo pó quarto
- E depois?
- E também levas o barry white
- Claro, para compor o ambiente
- É muito, costa
- Sabes o que te digo, cão?
- Sim, costa
- Vocês, os cães, têm insensibilidade romântica
- Não, temos é poder de síntese


- Ó costa, olhó um polícia!
- Não pode ser
- E é dos meus
- Onde?
- À tua frente, não pises

terça-feira, 16 de abril de 2013

CÃOVERSAS


- Ó costa
- Diz cão
- Por que é que não me puseste nome
- Que nome querias tu, cão?
- Um nome sonante
- Qual?
- Gengis
- Gengis é sonante?
- Gengis cão

- Que tás a fazer, cão?
- Tou a ouvir a renascença
- E que diz ela?
- Que quem se arrepende dos pecados é perdoado
- Tá certo
- Ó costa
- Sim, cão
- Tou arrependido
- De quê?
- Dos meus pecados
- Fazes bem, cão
- Portanto, tou perdoado
- Pois tás
- Que alívio, costa
- Ainda bem
- Agora que fui perdoado, posso voltar a pecar
- Tu és um cão sábio
- Não, sou um CÃOtólico

- Ó costa
- Diz, cão
- Sinto-me inconstitucional
- Ó cão, eu bem te avisei para não comeres tanto

- Ó costa
- Sim, cão
- Ando com pesadelos
- E sonhas com quê?
- Sonho com um país cheio de boas casotas, bons ossos, boas árvores
- Mas isso não são pesadelos, cão
- Pois não. Os pesadelos começam quando acordo

- Ó costa, olhó target!
- Olhó quê?
- Lá está, não tens background, falta-te o staff e, claro, ficas no dead-line
- Ó cão, sentes-te bem?
- Ó costa, quem não usa estrangeirismos está out
- Ai sim?
- Of course
- E quem te disse que eu não sei estrangeirismos?
- Diz-me um
- Fuck you!

sábado, 13 de abril de 2013

PAPA PAPÃO


- Olha que o Papão vem e leva-te! As palavras da mãe afogavam-no no mar de sopa que tinha pela frente e já nem o medo o impelia a lutar. Sabia que não conseguiria e não conseguiu. Foi mandado de castigo para o quarto e sentiu que aquela seria a última noite. Aninhou-se debaixo da cama, apertou o action man entre as mãos suadas e esperou pelo fim. O Papão não veio. No dia seguinte, animado pela bendita ausência, arriscou de novo. O castigo foi o mesmo, mas o Papão não apareceu. Da terceira vez, nem esperou pela ordem. Dirigiu-se de imediato para o quarto com um sorriso confiante. O Papão não veio. Saboreou, vitorioso, a entrada na idade adulta. O que nunca chegou a saber é que o Papão não veio porque, também ele, tinha recusado comer a sopa. E, claro, fora levado pelo Homem do Saco.

terça-feira, 9 de abril de 2013

ENCOSTO NACIONAL



- Eu bem te disse
- Disseste-me o quê?
- Que devíamos ter privatizado o TC
- Pois devíamos, agora onde vamos sacar tanto dinheiro?
- E se pedíssemos emprestado à galilei?
- À quem?
- À SLN do oliveira e costa. Desde que mudou de nome, dizem que está a ganhar balúrdios
- Esse não, que só gosta de distribuir prejuízos
- Então, por que não pedimos ao cabo-verdiano?
- Ao quem?
- Ao dias loureiro
- Esse não, que só é amigo do presidente
- Podíamos dar um toque ao mexia. Olha que o gajo tem um rico pé de meia
- Não te metas em chinezisses
- E se falássemos ao belmiro?
- Vê lá se queres acabar a receber menos do que o salário mínimo
- Nesse caso, só nos resta continuar a sacá-lo aos mesmos
- Lá terá que ser
- Entretanto vai tratando da vida
- Qual vida?
- Da nossa, para quando formos à vida
- Lá terá que ser
- Pronto, vamos ao discurso: - Portugueses, o Governo enfrentará lado a lado convosco todas as dificuldades. Agirei com todas as minhas forças em prol do interesse nacional e...

sábado, 6 de abril de 2013

AUSÊNCIA DE URGÊNCIA


- Desculpe interromper-lhe o fim de semana, mas...
- Por acaso, foi aborrecido
- Alguma coisa importante, presumo
- Estava a ganhar no jogo com que mais me identifico
- Qual, senhor presidente?
- Matrecos
- Peço muita desculpa, mas é de facto importante
- Então, o que me quer?
- Trago más novas, senhor presidente
- Não me diga que me vai cortar mais a reforma?
- Bem pelo contrário, senhor presidente
- Vai dizer-me que o dias loureiro foi preso?
- Também não, senhor presidente
- Então qual é o problema?
- O TC chumbou o OE
- Ai chumbou?
- É verdade,senhor presidente
- Isso é mau
- O que fazer, senhor presidente?
- Diga ao OE para estudar muito
- Para quê, senhor presidente?
- Para voltar a fazer o exame na segunda época
- O exame?
- Se o OE estudar muito não chumba de certeza
- Ó senhor presidente, não está a perceb...
- E já agora, diga-me, quem é esse TC?

sexta-feira, 5 de abril de 2013

RESVALA O RELVAS



Por ele tinha continuado, até porque estava a gostar. Infelizmente sofria de ejaculação precoce. Maldito Org asno!


- Ó mãe, ó mãe, aquele menino caiu abaixo do governo!
- Ó filho, qual governo?


- Caíste e estás em forma?
- Ainda estou melhor
- Melhor do que em forma?
- Claro. Estou em tecnoforma


- Ó homem, não me entres em casa com os sapatos nesse estado!
- Que têm os sapatos?
- Então não vês que estão cheios de relvas?
- Ó diabo, antes a merda do cão!
- Qual cão?
- O cão do miguel...


Afinal, parece que o curso não é válido, mas só se descobriu agora.
Uma no crato e outra na licenciatura...


segunda-feira, 1 de abril de 2013

EM ABRIL, MILAGRES MIL




Nem queria acreditar. Estava ali, em cima de uma árvore, vestido de noiva. O baile de máscaras explicava o vestido. Uma estúpida necessidade fisiológica mais o arrepiante olhar de um animal que lhe surgiu de repente, fizeram o resto. Agora, estava ali, na escuridão da noite, com o rosnar da besta a arrancar-lhe o coração do peito. Rezou durante horas por um milagre que o salvasse ou ao menos o deixasse respirar. O raiar da aurora trouxe finalmente um silêncio que pensava já não existir e mostrou-lhe que o animal se fora. Sentiu um alívio celestial. Relaxado, abriu os braços e espreguiçou-se. Naquele gesto, o vestido de noiva foi trespassado pelos raios de sol e exibiu uma beleza divina. De repente, um ruído. Aterrado, olhou para baixo e viu três crianças que o fixavam incrédulas. Desceu como pôde mas, quando chegou ao chão, já tinham desaparecido. Não perdeu mais tempo. Saiu dali a correr que já chegava de aparições. As crianças, essas falaram e toda a gente ficou a saber. Ainda hoje se conta o episódio embora as datas nem sempre coincidam. Uns dizem que foi em Maio. Outros em Abril. E logo no primeiro dia.

sábado, 30 de março de 2013

SEGURANÇA PÚBICA



Excelentíssimo senhor comandante bagina,

Antes de mais deixe-me felicitá-lo pelo árduo trabalho que está a desenvolver no Porto. Confesso-lhe que gosto muito de si. E não sou o único. Ainda ontem, ouvi no metro, um senhor dizer ao amigo: - Bagina é bem bom. Ao que o outro respondeu: - É maravilhoso. Como vê, não lhe faltam admiradores. Estou desconfiado que até o próprio John Lennon estava a pensar no sr. comandante quando escreveu aquela canção do " E Bagina all the people...". Mas, sejamos realistas, também por aí andam detractores. São os que dizem que V. Exa. por ser sobre o forte, parece um salpicão de Lamego. Com bigode. Más línguas, sr. comandante; primeiro, onde é que já se viu um salpicão com bigode? Segundo, se houvesse parecenças entre V. Exa. e um salpicão nunca seria com os de Lamego, mas com os de Chaves, que são mais moles. Quanto ao resto, não dê importância; bagina de pêlo na benta e muito bem. Essa corja de maldizentes está por todo o lado de forma que, se o sr. comandante bagina olhar para trás e vir um desses caras de cu, com todo o respeito, não ligue. É normal.
Aproveito para lhe pedir um favor; de uma vez por todas proíba as pessoas de andarem nos passeios. É que muitas são as que circulam com guarda-chuvas, muletas, cadeiras de rodas e outros objectos cortantes, que riscam impunemente os nossos carros. Quer dizer, vai um cidadão estacionar em cima dum passeio para, civicamente, não perturbar a fluidez do trânsito e quando retorna à viatura lá está o prejuízo. Da última vez que me aconteceu, deu-se-me um desgosto tal que passei a estacionar nas passadeiras. Sempre é mais seguro.
Desejo que V. Exa. continue a alimentar-se bem e, sobretudo, resguarde-se e resguarde os seus homens, não vá o diabo tecê-las. Hoje em dia há tantos perigos nas ruas que o melhor é prevenir. Não se esqueça que, se der chatice, ficarão exactamente como fica o cidadão, ou seja, ninguém vos vem socorrer. E, em dias de chuva, nem pensem em sair; anda por aí muita bicheza no ar e não há coisa pior do que ver um sr. agente da autoridade com um pingo de vergonha, quero dizer, com um pingo no nariz. O tempo que vos sobra dediquem-no a treinar para as manifestações e para os jogos da bola. Mesmo que não haja manifestações nem campeonato de futebol, sempre se vai convivendo, não é? E não perca tempo com os que acusam a polícia de se ter demitido das suas funções de segurança pública. Esses, sr. comandante bagina, são uns conas. Com todo o respeito.

sexta-feira, 29 de março de 2013

COM PASSOS



Carrega-se a cruz pesada
Por entre gemidos e dores
Essa cruz que nos foi dada
Por vilões e malfeitores

Há bem por aí quem defenda
Que é cruz da ressurreição
Mas é mentira tremenda
Dos que não têm perdão

São receitas de calvários
Aviadas por gurus
Que assim convencem otários
A carregarem a cruz

E com vil descaramento
Fingem-se indignados
Queixam-se do sofrimento
Dos que mantêm calcados

Não carregues mais o peso
Dessa cruz que lhes pertence
Não te deixes ficar preso
Que sem luta não se vence

domingo, 24 de março de 2013

COMUTADOR


- Aristóteles, o que pensa?
- Penso que o que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê. Penso que o erro acontece de vários modos, enquanto ser correto é possível apenas de um modo. E penso que a esperança é o sonho do homem acordado.
- Platão, o que nos diz?
- Que não podemos continuar prisioneiros da caverna. Temos de nos libertar da escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade, que nos mostre a situação enganosa em que nos encontramos. Existem sérios riscos de sermos ignorados, tomados por loucos ou mentirosos mas, ainda assim, vale a pena.
- Sócrates, qual a sua opinião?
Só um momento... o nó da gravata está direito? E este ângulo, é bom? Não será melhor a três quartos? Olho para a câmara 1 ou para a câmara 2? Faço um ar de regresso vitorioso ou de incompreendido e maltratado? Não comento o Freeport, ok? Desculpe, qual é a pergunta?

quinta-feira, 21 de março de 2013

SUPERES PODERES


A brisa da noite penteava-lhe a longa capa, acentuando a sua figura imponente. Recolheu a mão do queixo, vincou os cantos da boca e olhou uma vez mais para baixo. Lá estavam eles. Pequenos, quase insignificantes, a lutar. Tinham doenças e guerras. Tinham políticos corruptos e tiranos gananciosos. Tinham oportunistas e escroques. Viviam fustigados pelo sofrimento e pela morte, mas continuavam a lutar. Viu homens e mulheres enfrentarem armas por trabalho. Viu gente presa por se bater pela liberdade. Viu a desgraça, a miséria e o desespero no olhar de muitos. E continuavam a lutar. Sentiu-se fraco, muito fraco. Afinal não havia lugar para si naquele mundo de super homens. Levantou a cabeça, apontou os punhos para o céu e desapareceu na noite.