Crispou as mãos na varanda e fixou os prédios em frente. O dia nascera morto de Sol enterrando ainda mais aquela paisagem de subúrbios. Olhou para dentro. Viu a vida a estilhaçar e não tinha cola para unir os pedaços. Fora despedido pelo senhor golfe como lhe chamavam. Sem razão, a crise. Sentiu saudades das tardes quentes de Primavera, das gaivotas a riscarem o azul do céu. Sentiu saudades dela a seu lado. Se ao menos estivesse ali.
Acordou bem disposto. Olhou o espelho que lhe devolveu a habitual imagem de sucesso. Desceu impecávelmente vestido e entrou no carro. Pediu pressa. O motorista arrancou e o seu pensamento fugiu para os negócios. A crise, a bolsa, os favores mais caros, os custos com o pessoal. O trânsito intenso e os semáforos foram renovando pedidos de pressa a que o motorista correspondia com maior aceleração. Nada o aborrecia mais do que chegar atrasado ao golfe.
A noite tinha trazido todas as respostas de que precisava. Levantou-se decidida a recomeçar. Alindou-se e saiu. Caminhou em direcção a casa dele com a imagem que tantas vezes ele lhe segredou; era a cola da sua vida. Seria a cola da vida de ambos. De repente um potente carro desgovernado galgou o passeio e apagou-lhe a imagem. Do carro saíu o condutor atónito e um homem visívelmente aborrecido.
Pouco depois, a pouca distância dali, um corpo lançava-se de uma qualquer varanda de um qualquer prédio dos subúrbios.
O Sol renasceu no dia seguinte.
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