quinta-feira, 17 de março de 2022

NÃO HÁ MILAGRES

Caminhava sem rumo ou direcção. Os olhos serenos, a tez plácida, a barba penteada pelo vento e os longos cabelos que se precipitavam em cachos pela alva túnica.

De repente, a súplica pungente de um paralítico rasgou a serenidade dos seus passos:

- Salvador, Salvador, fazei com que ande!

Ele aproximou-se, passou-lhe ao de leve as mãos pelas pernas e logo o paralítico se levantou para desaparecer numa correria desenfreada em direcção a África.

Os menos crentes comentaram entre si que, para tal prodígio, havia sido determinante a leitura anterior de uma sentença condenatória, irrecorrível para o paralítico.

Ele prosseguiu a caminhada que, mais à frente, foi interrompida pelo grito lancinante de um desesperado:

- Salvador, Salvador, fazei com que não vá bater com os costados na cadeia!

Ele aproximou-se, passou-lhe as mãos ao de leve pela cabeça e logo o homem deixou de dizer coisa com coisa. 

Os menos crentes mostraram fundadas reservas ao verem que, dali em diante, o homem passou a sofrer de Alzheimer e a escrever memórias, em simultâneo.

Ele continuou a sua marcha até Lhe sair ao caminho um automobilista que buzinou três vezes e Lhe endossou uma longa prece:

- Salvador, Salvador, fazei com que baixe substancial e acentuadamente o preço dos combustíveis, por mor de podermos continuar a tremelicar os traseiros nos bancos retrácteis das nossas viaturas híbridas com pintura metalizada, computador de bordo, abs, tecto de abrir, fecho centralizado de portas, sensores de estacionamento e faróis de halogéneo direccionais!

Ele ergueu os braços ao céu, cerrou os olhos num esforço sobrehumano e logo o preço do barril de petróleo caiu desamparado. Tal feito, porém, não redundou em qualquer redução no preço dos combustíveis, antes pelo contrário.

Foi então que os menos crentes Lhe segredaram que se encontrava em Portugal. Ele de imediato rumou a Espanha via Valença. Como não aprecia pontes, sobretudo a de Carnaval, atravessou a fronteira caminhando sobre as águas do rio Minho.

Os menos crentes insistem que, para a façanha, contribuiu de forma decisiva uma prancha de padlle adquirida por Ele do lado de cá, numa loja da especialidade.

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