São Pedro aguardava com o nervoso miudinho a tamborilar-lhe os dedos na inseparável chave do céu. O desconforto da ansiedade estremecia-lhe a confiança e quase o fazia sentir-se santo com pés de barro.
A porta abriu-se de repente e uma voz metálica gritou:
- Que entre o do céu!
Entrou. O director de programas lançou-lhe um olhar altivo e perguntou-lhe ao que vinha.
- Gostava de apresentar um programa na sua televisão. Respondeu São Pedro.
Um velho enfiado num manto branco, a segurar uma chave ferrugenta teria decerto pouco para oferecer, pensou o director.
- Que tipo de programa? Atirou.
- Bom, como sabe eu sou o porteiro do céu, conheço gente boa, de carácter, gente generosa, sábia e humilde e gostaria de enriquecer os espectadores com os seus testemunhos de vida.
- Ò do céu, o que nós precisamos é de grandes audiências e essas não se conseguem com palavrinhas meigas mas com sensacionalismo, com guerra, com choque, percebe?
- Pois sr director, mas pensei que um pouco de harmonia e de paz pudesse ajudar a ....
- Qual harmonia e paz, homem! Olhe lá, você sabe mais palavrões do que palavras?
- De facto não, senhor director.
- E tratar as pessoas abaixo de cão, sabe?
- Não, sr director.
- E alguma vez fingiu uma greve de fome?
- Também não, sr director.
- Então volte lá para donde veio que a descer todos os santos ajudam.
São Pedro encaixou o cinismo e saiu. A voz metálica gritou de novo:
- Que entre o do inferno!
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