sexta-feira, 26 de março de 2021

CONDENADO

CONDENADO


A sala vergava-se sob o peso de um silêncio ameaçador. O juíz enfunou a toga, crispou as sobrancelhas e lançou um dedo na direcção do réu:

- Vem acusado de atentar contra a desregulação do trabalho, contra a privatização de empresas, de subverter a comunhão de interesses entre políticos e grandes investidores, vem acusado de conspirar contra os negócios do futebol, dos eucaliptos e das barragens, de se rebelar contra extremismos, racismos e outros fundamentalismos, vem acusado de defender a liberdade sobre a alienação, a solidariedade sobre o lucro, o amor sobre a indiferença e, como se não bastasse, ainda desrespeitou a justiça chamando-lhe lenta, cara e injusta. Por tantos e tão gravosos delitos condeno o réu ao desterro sem apelo nem agravo.

Antes que pudesse esboçar um gesto, o bom senso viu-se algemado e conduzido a uma carrinha celular.

Poucos dias depois foi abandonado numa ilha tão inóspita quanto longínqua. Consta que não fica muito longe das ilhas para onde foram desterradas a inteligência e o discernimento.

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