Somos um povo crente que desde os primórdios viu na protecção divina a almofada para nos aconchegar a existência.
Quando ganhamos batalhas ficamos eternamente gratos aos milagres de santos guerreiros que, por alturas das festas, fazemos sair à rua encavalitados em vistosos andores adornados por notas gordas.
Quando um tijolo mal seguro falha a nossa cabeça por uma unha negra aliviamos de imediato o susto na expressão "foi milagre". É também essa que utilizamos quando uma ponte sem manutenção desaba sem causar vítimas, quando a frente de um incêndio poupa uma aldeia à sua passagem ou quando, no último instante, nos desviamos de um carro depois de ignorarmos um sinal vermelho.
O convívio próximo com a realidade milagreira tornou-a de tal forma familiar que, no ano transacto, decidimos assumir a autoria e executamos aquele que ficou conhecido pelo milagre português da pandemia. Revelaram-se tão compensadores e duradouros os efeitos que pudemos desfrutar relaxadamente da praia, do natal e até da passagem do ano. O inesperado, porém, atravessou-se-nos no caminho; quando já sonhavamos com corsos carnavalescos e mesmo com o "vá para fora cá dentro" pascal, os efeitos cessaram precipitando-nos para a urgência de um novo milagre. Percebida a míngua do nosso engenho perante a gravidade da situação, convocamos as divindades que não nos acudiram. Sobrecarga de trabalho terá sido, por certo, o motivo. Em sofrido desespero lançamos um grito de auxílio para o mundo que foi ouvido pela Alemanha, um dos nossos maiores credores. Terá sido milagre?
Sem comentários:
Enviar um comentário