domingo, 27 de março de 2011

PESO PESADO

Às 6 horas em ponto levantava a grade da entrada da estação. Custava-lhe levantá-la. Levantara taças, estádios, multidões, sem esforço. Levantara-se em fama e glória, em riquezas efémeras. Agora restava-lhe aquela grade que lhe fechava a vida à medida que a levantava. O alcoól fora implacável e o pai também. Mesmo depois da saúde o abandonar continuou a rejeitá-lo. O pai que o incentivou, que lhe afagou o cabelo nas fraquezas, que lhe dizia que o amava porque era seu filho, não queria vê-lo. Por favor de um colega do turno da noite do hospital conseguiu visitá-lo. Encontrou-o inanimado no chão do quarto, enredado nos fios que o ligavam à vida e que arrastara consigo na queda. O pânico nem o deixou pensar. Em menos de nada levantou o pai, colocou-o no leito e ligou novamente os fios. Aguardou ansioso que o monitor lhe dissesse que tudo voltava ao normal. A seguir desapareceu sem ruído. Como prometera ao colega. No dia seguinte ligou-lhe de um telemóvel anónimo.
- Pai, sou eu. Ouvi dizer que ontem passou mal.
- Estou bem. Não quero que me voltes a ligar.
- Mas, pai...
- A minha família está aqui no hospital.
- Eu também sou a sua familia.
- Ontem foram eles que me salvaram a vida. Foram eles que me voltaram a ligar à porcaria da máquina. São eles que me vão trazer o almoço daqui a pouco. Tu não me és nada.
No dia seguinte a grade da entrada da estação foi novamente levantada. Às 6 horas em ponto.

Sem comentários:

Enviar um comentário