domingo, 27 de março de 2011

PESO PESADO

Às 6 horas em ponto levantava a grade da entrada da estação. Custava-lhe levantá-la. Levantara taças, estádios, multidões, sem esforço. Levantara-se em fama e glória, em riquezas efémeras. Agora restava-lhe aquela grade que lhe fechava a vida à medida que a levantava. O alcoól fora implacável e o pai também. Mesmo depois da saúde o abandonar continuou a rejeitá-lo. O pai que o incentivou, que lhe afagou o cabelo nas fraquezas, que lhe dizia que o amava porque era seu filho, não queria vê-lo. Por favor de um colega do turno da noite do hospital conseguiu visitá-lo. Encontrou-o inanimado no chão do quarto, enredado nos fios que o ligavam à vida e que arrastara consigo na queda. O pânico nem o deixou pensar. Em menos de nada levantou o pai, colocou-o no leito e ligou novamente os fios. Aguardou ansioso que o monitor lhe dissesse que tudo voltava ao normal. A seguir desapareceu sem ruído. Como prometera ao colega. No dia seguinte ligou-lhe de um telemóvel anónimo.
- Pai, sou eu. Ouvi dizer que ontem passou mal.
- Estou bem. Não quero que me voltes a ligar.
- Mas, pai...
- A minha família está aqui no hospital.
- Eu também sou a sua familia.
- Ontem foram eles que me salvaram a vida. Foram eles que me voltaram a ligar à porcaria da máquina. São eles que me vão trazer o almoço daqui a pouco. Tu não me és nada.
No dia seguinte a grade da entrada da estação foi novamente levantada. Às 6 horas em ponto.

sábado, 26 de março de 2011

PUXÓLUSTRO!

Tinha faro para o negócio. Dissessem o que dissessem tinha. Enquanto choveram os milhões da Europa dedicou-se aos stands de carrões que faziam salivar os novos ricos. A seguir investiu no negócio dos carinhos e abriu casas que encheu com os clientes dos stands e com brasileiras de sonho europeu desfeito. Quando a crise se levantou ameaçadora lançou-se nas lojas dos trezentos onde manteve os clientes que conquistara, que já não eram tão novos nem tão pouco ricos. Com a crise a rosnar descobriu a consultoria financeira para rentabilizar os despojos da abundância perdida. Por lá atendeu muitos dos seus pobres clientes. Com a crise a ladrar feroz entrou no negócio da compra de ouro mas a concorrência não lhe deu tréguas e à sua antiga clientela já nem as alianças restava. Felizmente, para além de esperto, era inteligente. Nunca abrira mão do negócio inicial; uma loja de escovas na baixa da cidade. Um negócio imune a crises e com uma procura incessante. Até o seu empregado, quem sabe influenciado pelo ramo de actividade, não se cansa de lhe repetir: - O Chefe é o maior!

terça-feira, 22 de março de 2011

REI SOL

Conquistara o poder pelo nascimento. O poder total, absoluto que lhe oferecia o mundo num estalar de dedos. Todos eram súbditos ao serviço da sua natureza superior. Não tolerava uma recusa e ninguém ousava enfrentar a fera enraivecida que a mínima contrariedade despertava. A subserviência que impunha chegava a entediá-lo. Adorava criar situações para exercitar a sua autoridade. Querer o que não havia, gostar do que aos outros repudiava, destruir sem motivo, fingir interesse para humilhar a seguir, tudo servia para a sua diversão. Gostava especialmente de gritar. Gritar ordens, insultos, censuras e de os ver estarrecidos a tentar controlar os espasmos nervosos que lhes provocava. E depois sentir-se magnânimo mostrando-lhes que apenas brincava. Era bom. Um dia saiu à rua e viu um sorvete que não era seu. Imperial exigiu-o de imediato. Foi-lhe recusado. Insistiu. Um valente tabefe deu-lhe a resposta. Foi o golpe de estalo que precipitou a sua queda. Refugiou-se em pânico debaixo das saias da mãe. Consta que por lá se mantém exilado. Agarrado à chucha.

domingo, 20 de março de 2011

PRIMA BERA

A Primavera voltou
Nas asas de uma andorinha
Ai que contente que estou
Ai que saudades eu tinha

O Céu pintou-se de azul
E também pintou o mar
Há uma brisa do Sul
Que veio para me abraçar

E as flores filhas do Sol
Dançam com alegria
A música que o rouxinol
Canta à amiga cotovia

Mas irrompe de repente
Com truculenta arrogância
Um malvado repelente
Às ordens da vil ganância

Que corta o mar aos pedaços
E fecha o Sol num saco negro
Para os vender a uns madraços
Ou para os levar para o prego

Partem as andorinhas
O rouxinol fecha o bico
As flores já não são minhas
Foram levadas pelo chico

Primaveril felicidade
Que eu senti tanto e tão perto
Esmagada pela austeridade
Criada por esse esperto

terça-feira, 15 de março de 2011

PORTO SEM ABRIGO

A chuva que cai intensa
Não lava a tristeza imensa
Que vai na alma da gente
Que é a gente que se sente

As lágrimas desta mágoa
São uma nascente de água
De um rio a sufocar
Que se perdeu do seu mar

Assim vai sentindo o Porto
Já menos vivo e mais morto
A amarga crueldade
Que lhe rasga a identidade

Já não há tom pardacento
É profundo o desalento
E a asa abre-se em ferida
Pela miséria escondida

Este velho burgo antigo
Com rosto de sem abrigo
E olhar frio de um jovem
A quem o futuro comem

É um Porto moribundo
Que desliza para o fundo
Do mundo

Perde-se a sua história
Sem orgulho, sem glória
Enquanto se olha para o lado
Num comodismo alheado

Mas é um Porto que é meu
Que me deu o que era seu
E agora vive em mim
E viverá até ao fim

quinta-feira, 10 de março de 2011

SÓ BIRRAS

Super Vock - como manda a sapatilha
Super Boss - para o Springsteen
Super Book - com muita figuras e poucas letras
Super Bitoque - com ovo a cavaco, batata e silva
Super Choque - para o mexia
Super Clock - para o cucu
Super Doc - para o Tor (tratem-me à vontade por Doc Tor)
Face  Bock - para o internauta
Super Fuck - gaba-te cesta
Super Grogue - foge que ele vem aos esses
Super Look - mente o espelho à Lili
Super Lote - e agora quem é que compra isto?
Super Pote - não para a geração à rasca
Super Reboque - para a caça à multa
Super Toque - do maldito despertador
Sagres fresquinha e sandes de coiratos - para os que já não vão em futebóis.

terça-feira, 8 de março de 2011

CHOQUES ELÉCTRICOS

Finalmente a alegria
Da casa na periferia
Mas veio o Mexia
De quem ninguém fugia
Com a vil tirania

E ligou-o à corrente
Como se não fosse gente
E todo contente
Sugou-o impunemente

Ao pobre Zé
Ainda de pé
Mas já sem o pré
Resta-lhe a fé

Pede ao criador
Que lhe faça um favor
Meta um reactor
No grande estupor

E o leve pelo ar
Em direcção ao mar
Até um raio passar
E o electrocutar

Ou o lance de uma barragem
Para acabar a rapinagem
E nessa viagem
Lhe cobre portagem

Mas nada acontece

Continua o Mexia
A engordar a enxovia
E a fazer razia
A fartar a vilania

O povo esmorece
O povo empobrece
É pesada a cruz
E quase não há luz

segunda-feira, 7 de março de 2011

CARNAVAIS

- Estás mascarado?
- O que te parece?
- Sinceramente não sei.
- Olha para os meus sapatos.
- São grandes.
- E o meu nariz?
- É vermelho.
- E as minhas calças?
- São largas.
- E o que é que está na ponta do meu chapéu?
- Uma flor.
- Então o que te parece?
- Estás mascarado.
- E tu?
- Eu não, ora essa.
- E esse cabelo branco?
- É natural.
- E essa queda para tirar cursos ao Domingo?
- Não tenho fins de semana.
- E essa de dar o dito por não dito?
- É eloquência.
- E os favores aos amigos?
- É gente com mérito.
- E o inglês macarrónico.
- É porreiro, pá.
- OK, podes contar comigo.
- Para as próximas eleições?
- Não, para uma parelha de palhaços.