sábado, 26 de dezembro de 2020

NA TAL GANÂNCIA

 


Entrou na sala. Grande, soturna, fria. Ao fundo homens de fatos escuros e olhares cerrados interromperam a conversa e um silêncio de chumbo  afundou-lhe os ombros. O cansaço da jornada deveria serená-lo mas era a inquietação a tomar-lhe conta do espírito. Nem o sentido do dever cumprido o aliviava. De súbito uma voz metálica estremeceu-o. Enalteceu a sua antiguidade e dedicação, a sua disponibilidade, mas aqueles elogios deixaram-no suspenso da estocada final que veio a seguir. Os tempos eram outros, a modernidade e as tecnologias, as necessidades de incrementar negócios e de acelerar entregas, os níveis de rentabilidade e a globalização, os budgets, os targets e outras coisas que nem percebeu já não justificavam a sua continuidade. Ali terminava o caminho. Iria ser substituído pelos distribuidores das motorizadas e das bicicletas, mais versáteis e sobretudo mais baratos, que aportavam melhores ganhos aos accionistas. Ainda pensou argumentar a seu favor com o calor humano, a tradição, ou o imaginário das crianças mas já a voz transformara a sua dispensa em dinheiro. Chamou-lhe indemnização condigna. Nada disse e saiu. Cá fora as renas não o esperavam. Tinham sido levadas para servirem de atracção num jardim zoológico com entradas a preços promocionais.

Pegou no saco vazio e desceu pela estrada em direcção às estrelas.

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