sábado, 28 de março de 2020

BENDITA, A ESCRITA


Querido livrinho de recordações conturbadas:

Sou franca, criei-te para ter que fazer nestes tempos estranhos que estamos a viver. Toda a vida foi-me exigido trabalho e mais trabalho e agora, vê lá tu, exigem-me que não mexa uma palha. Nem eu nem os meus. Cá por casa somos 5; eu, a mãezinha, o miro que é o meu homem, o mirinho que é o nosso filho e o dick que é o rafeiro. Não saímos de casa vai para 15 dias o que se torna um bocadinho aborrecido. Felizmente vivemos num T1 muito espaçoso com quase 25 metrinhos quadrados que nem chegou a 200.000 EUR. Uma pechincha e ainda por cima com uma varanda de 1 por 1 que dá para o dick correr à vontade. Atrás do rabo. Ontem para matarmos o tempo jogamos às imitações; ao miro pedimos que imitasse um estúpido. Segue-se que ele pôs uma cabeleira loira com uma grande pala à frente. Ninguém adivinhou quem era mas estou convencida que já ouvi aquele sotaque norte amaricano que o miro fez em qualquer lado. A seguir pedimos ao mirinho para imitar um burro. Ele pôs uma peruquinha preta, fez uma cara de trambolho e voz rouca. Também ninguém adivinhou mas o sotaque do mirinho deixou-me desconfiada. Que burro brasileiro estaria ele a imitar? Depois foi a vez da mãezinha imitar um infectado; mais uma vez ninguém acertou mas como é que podíamos se ela pôs uma peruca loira toda despenteada, fez uma cara de anormal e começou a falar com a língua enrolada? Nós até ficamos na dúvida se era mesmo uma imitação ou se eram começos de alzheimer. A ver vamos. Ao dick pedimos-lhe para imitar um mau e ele, pumba, pôs logo a carinha chapada do sr dr miguel sousa tavares. Que jeito tem este cão para as imitações. Até no rosnar era tal e qual. A mim tocou-me imitar um habilidoso mas quando eu já ia toda lampeira buscar a peruca branca para fazer de sr dr antónio costa, a televisão actualizou os numerozinhos da bicheza. Segue-se que deu semelhante chilique à mãezinha que foi preciso ampará-la com meia garrafita de aguardente. Ela, coitadinha, começou logo a espumar-se toda o que é normal quando está muito satisfeita mas nós, por via das dúvidas, demos-lhe a outra meia garrafita, que a mãezinha é de risco. Olha querido livrinho, por ora vou ter de ficar por aqui porque estou a ver o miro e o mirinho em frente à televisão, a mandarem os baldes vazios das pipocas pela janela fora. Já estou farta de lhes dizer que não se deve fazer isso. Há que fechar os baldes muito bem fechados dentro de um saco de plástico e só depois é que se mandam pela janela. Nós temos de ser cívicos e não devemos contaminar ninguém, não é?

Glicínia Bendita
Agora virada para a escrita

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