domingo, 28 de abril de 2013

CÃOVERSAS III



- Ó costa
- Diz, cão
- Achas que os nossos bigodes nos dão uma imagem de credibilidade?
- Claro, porquê?
- Não seria melhor passarmos a usar pêra?
- Pêra, cão?
- À isaltino, costa
- Grisalha e aparada para dar pose de estado?
- E com suíças fartas
- Tás a referir-te às patilhas?
- Não, tou a referir-me às contas bancárias


- Ó costa
- Diz, cão
- O que é a promiscuidade?
- É o ferreira do amaral, o jorge coelho e o valente de oliveira
- Esses foram todos ministros das obras públicas, não foram?
- Foram, mas agora estão no privado
- Qual privado?
- O que eles beneficiaram à grande enquanto foram ministros
- Ó costa, mas isso não se chama promiscuidade
- Então?
- É parcerias público privadas, não é?


- Ó costa
- Diz, cão
- Achas que isto está assim tão mau?
- Eu acho e tu?
- Eu também, costa
- Então qual é a dúvida?
- Se está assim tão mau...
- Sim, cão?
- Por que é que vejo mais gente contra os roubos dos árbitros do que contra os roubos do governo?


- Ó costa
- Diz, cão
- O que é a bipolaridade?
- É ter praias com bandeira azul no Verão, transformadas em entulheiras no Inverno
- Achas?
- Ou rebaixar passeios para facilitar o acesso dos deficientes e dos peões e depois permitir que os carros estacionem em cima deles
- Ai, sim?
- Ou gastar milhões a recuperar património público e a seguir deixá-lo ao abandono
- Ó costa, mas isso não é bipolaridade
- Então?
- É gestão moderna, não é?


- Ó costa
- Sim, cão
- Gostava de ser um cão de marca
- Com o teu aspecto era perigoso
- Porquê, costa?
- Iam pensar que eras de contrafacção
- Tantos que há por aí e logo tinha de me sair um dono rafeiro


- Ó costa
- Diz, cão
- Tenho uma sensação esquisita
- Qual é?
- Acho que anda alguém por trás de nós a controlar o que dizemos
- Não é possível, agora há liberdade de expressão
- Pelo sim pelo não é mhelhor ter cuidado, costa
- Ó cão não me digas que tás a ficar com falta de to matos?

domingo, 21 de abril de 2013

AXA OU NÃO AXA?


- Isto está super giro!
- E cheio de pessoas bonitas!
- Pipo, eu bem lhe disse que valia a pena vir à inauguração
- Ó pipa, aprecie esta peça fantástica
- Qual?
- Esta, em vermelho flamejante, a simbolizar as vitórias da ferrari
- Pipo, isso é o extintor
- Ó pipa, está aqui outra giríssima
- Onde?
- Pendurada no tecto. Deve simbolizar pensamentos superiores
- Ó pipo, isso são os cabos eléctricos
- Ó pipa, não consigo perceber uma coisa
- Qual?
- Todo este pó, simboliza o quê?
- Simboliza o nevoeiro de que as consciências se vão libertando através da arte
- Pois....
- Ó pipo, venha ali ver um senhor a fazer uma performance na toilette
- Ó pipa, o senhor não está a fazer uma performance
- Então?
- Está a desentupir a sanita
- Ó nero, anda cá imediatamente! O estepor do bicho num pode ver umas obras que foge-me logo
- Ouviu pipo. Deixam entrar todo o cão e gato e depois dá nisto
- Pois, não têm cultura
- Bem faz o rui que não lhes dá nenhuma
- Claro, se não a têm para que precisam dela?
- Ó nando, diz ó tininho pá assentar. No terceiro há uma sala xeia de moedas koladas às paredes
- Ó fuskas, o tininho num save iskreber
- Então diz-le pa meter um lemvrete no tavlete
- Ó fuskas, axas ke bale a pena boltar ká per kausa dumas moedas. É ke num há mai nada
- Kala a veiça, nando, ké vem vom
- Vom foi kuando fomos ó kovre ó vatalha
- Tá vem, mas aki fikamos cum trokos pá arrumar
- Ó pipo, páre lá de tossir
- Ó pipa, é do nevoeiro das consciências
- A inauguração esteve mesmo gira, não esteve?
- Esteve, pipa, mas agora era capaz de beber 2 litrinhos de água seguidos
- O rui é mesmo o máximo. E não tarda, pipo, temos as corridas da boavista
- Ó pipa, adoro corridas
- E eu adoro todo aquele movimento do paddock.
- O paddock é aquele capitão amigo do Tintim, não é pipa?
- Ó nero, desalça a perna do sinhor sigurança. O estepor mija em cima de quem lhe apetece. Olha que é preciso ter arte!

sábado, 20 de abril de 2013

ALIADOS DA PALMILHA


Grupos de adolescentes deambulam pelas ruas em transumância etílica. Levam garrafas nas mãos, que vão esvaziando enquanto soltam graçolas.
Na Praça de D. João I, um arrumador chama pelos automóveis, agitando os braços em cadência ritmada. Grita aos que descem para o parque que, ali, na superfície da praça, é mais barato. Tem preço em conta o arrumador. E bolsa a tiracolo para facilitar os trocos.
Mais abaixo, outro arrumador, estaciona quantos carros pode na zona de Sampaio Bruno. Em tempos, foi uma zona pedonal. Há muito que deixou de ser.
Não se vê um polícia.
O vento vai espalhando o lixo e o cheiro fétido a urina. Há grafitis em cima de grafitis. Há prédios a ruir.
A Avenida dos Aliados está às escuras. As luzes foram desligadas para realçar a inauguração do edifício AXA, que a câmara parece ter emprestado às artes. Para que não digam que não apoia a cultura. O acesso é condicionado e o povo, em fila indiana, vai entrando à medida da vontade dos seguranças. Lá dentro, obras por acabar, cabos eléctricos à vista, paredes partidas e muito pó. Que se pega à roupa de gente, muito chique.
Na Rua de Gonçalo Cristovão, alguns travestis exibem, vaidosos, os seus volumosos peitos, tão falsos como a revitalização da baixa.
No Salão Latino do Teatro Sá da Bandeira, uma pequena companhia de valentes leva à cena um excelente trabalho. Sem apoios, sem propaganda da câmara, mas com muito valor. Chama-se Palmilha Dentada.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

CÃOVERSAS II



 - Ó costa, o que é que se comemora no 25 de Abril?
- A revolução dos cravos
- Tens a certeza?
- Tenho cão, porquê?
- Com tanta gente a sacar?
- Que é que tem?
- Devia era assinalar-se a revolução dos cravas


- Ó costa, tenho andado a pensar sobre a liberdade
- E a que conclusão chegaste, cão?
- Tou preocupado
- Porquê?
- Sinto falta de liberdade, costa
- Mas eu deixo-te andar à solta, cão
- Não estou a falar de mim
- Então, de quem estás a falar?
- De ti. Não há maneira de te livrares da trela que te puseram, costa


- Ó cão
- Sim, costa
- O governo diz que isto está cada vez melhor
- Custa não custa, costa?
- Custa o quê, cão?
- O que estás a sentir
- O que é que eu estou a sentir?
- O mesmo que eu, quando me atiras o osso de plástico


- Ó cão
- Diz, costa
- És um felizardo
- Porquê?
- Não pagas impostos
- E depois?
- Não tens de trabalhar para comer
- E que mais?
- Não tens a casota hipotecada
- Até para ser cão é preciso ter sorte, costa
- Pois, mas eu é que me quilho
- Porquê?
- Tenho uma vida de cão


- Ó cão
- ...............
- Ó CÃO!
- ...............
- Ó CÃÃÃÃÃOOO!
- Não grites, costa, que eu ouço bem
- Como é que ouves bem se tavas a dormir!
- Não tava nada, costa
- Então?
- Tava em reflexão presidencial


- E ofereces flores, costa
- Pois ofereço, cão
- E ofereces jantares e anéis
- E depois?
- Ainda tens de a levar ao colo pó quarto
- E depois?
- E também levas o barry white
- Claro, para compor o ambiente
- É muito, costa
- Sabes o que te digo, cão?
- Sim, costa
- Vocês, os cães, têm insensibilidade romântica
- Não, temos é poder de síntese


- Ó costa, olhó um polícia!
- Não pode ser
- E é dos meus
- Onde?
- À tua frente, não pises

terça-feira, 16 de abril de 2013

CÃOVERSAS


- Ó costa
- Diz cão
- Por que é que não me puseste nome
- Que nome querias tu, cão?
- Um nome sonante
- Qual?
- Gengis
- Gengis é sonante?
- Gengis cão

- Que tás a fazer, cão?
- Tou a ouvir a renascença
- E que diz ela?
- Que quem se arrepende dos pecados é perdoado
- Tá certo
- Ó costa
- Sim, cão
- Tou arrependido
- De quê?
- Dos meus pecados
- Fazes bem, cão
- Portanto, tou perdoado
- Pois tás
- Que alívio, costa
- Ainda bem
- Agora que fui perdoado, posso voltar a pecar
- Tu és um cão sábio
- Não, sou um CÃOtólico

- Ó costa
- Diz, cão
- Sinto-me inconstitucional
- Ó cão, eu bem te avisei para não comeres tanto

- Ó costa
- Sim, cão
- Ando com pesadelos
- E sonhas com quê?
- Sonho com um país cheio de boas casotas, bons ossos, boas árvores
- Mas isso não são pesadelos, cão
- Pois não. Os pesadelos começam quando acordo

- Ó costa, olhó target!
- Olhó quê?
- Lá está, não tens background, falta-te o staff e, claro, ficas no dead-line
- Ó cão, sentes-te bem?
- Ó costa, quem não usa estrangeirismos está out
- Ai sim?
- Of course
- E quem te disse que eu não sei estrangeirismos?
- Diz-me um
- Fuck you!

sábado, 13 de abril de 2013

PAPA PAPÃO


- Olha que o Papão vem e leva-te! As palavras da mãe afogavam-no no mar de sopa que tinha pela frente e já nem o medo o impelia a lutar. Sabia que não conseguiria e não conseguiu. Foi mandado de castigo para o quarto e sentiu que aquela seria a última noite. Aninhou-se debaixo da cama, apertou o action man entre as mãos suadas e esperou pelo fim. O Papão não veio. No dia seguinte, animado pela bendita ausência, arriscou de novo. O castigo foi o mesmo, mas o Papão não apareceu. Da terceira vez, nem esperou pela ordem. Dirigiu-se de imediato para o quarto com um sorriso confiante. O Papão não veio. Saboreou, vitorioso, a entrada na idade adulta. O que nunca chegou a saber é que o Papão não veio porque, também ele, tinha recusado comer a sopa. E, claro, fora levado pelo Homem do Saco.

terça-feira, 9 de abril de 2013

ENCOSTO NACIONAL



- Eu bem te disse
- Disseste-me o quê?
- Que devíamos ter privatizado o TC
- Pois devíamos, agora onde vamos sacar tanto dinheiro?
- E se pedíssemos emprestado à galilei?
- À quem?
- À SLN do oliveira e costa. Desde que mudou de nome, dizem que está a ganhar balúrdios
- Esse não, que só gosta de distribuir prejuízos
- Então, por que não pedimos ao cabo-verdiano?
- Ao quem?
- Ao dias loureiro
- Esse não, que só é amigo do presidente
- Podíamos dar um toque ao mexia. Olha que o gajo tem um rico pé de meia
- Não te metas em chinezisses
- E se falássemos ao belmiro?
- Vê lá se queres acabar a receber menos do que o salário mínimo
- Nesse caso, só nos resta continuar a sacá-lo aos mesmos
- Lá terá que ser
- Entretanto vai tratando da vida
- Qual vida?
- Da nossa, para quando formos à vida
- Lá terá que ser
- Pronto, vamos ao discurso: - Portugueses, o Governo enfrentará lado a lado convosco todas as dificuldades. Agirei com todas as minhas forças em prol do interesse nacional e...

sábado, 6 de abril de 2013

AUSÊNCIA DE URGÊNCIA


- Desculpe interromper-lhe o fim de semana, mas...
- Por acaso, foi aborrecido
- Alguma coisa importante, presumo
- Estava a ganhar no jogo com que mais me identifico
- Qual, senhor presidente?
- Matrecos
- Peço muita desculpa, mas é de facto importante
- Então, o que me quer?
- Trago más novas, senhor presidente
- Não me diga que me vai cortar mais a reforma?
- Bem pelo contrário, senhor presidente
- Vai dizer-me que o dias loureiro foi preso?
- Também não, senhor presidente
- Então qual é o problema?
- O TC chumbou o OE
- Ai chumbou?
- É verdade,senhor presidente
- Isso é mau
- O que fazer, senhor presidente?
- Diga ao OE para estudar muito
- Para quê, senhor presidente?
- Para voltar a fazer o exame na segunda época
- O exame?
- Se o OE estudar muito não chumba de certeza
- Ó senhor presidente, não está a perceb...
- E já agora, diga-me, quem é esse TC?

sexta-feira, 5 de abril de 2013

RESVALA O RELVAS



Por ele tinha continuado, até porque estava a gostar. Infelizmente sofria de ejaculação precoce. Maldito Org asno!


- Ó mãe, ó mãe, aquele menino caiu abaixo do governo!
- Ó filho, qual governo?


- Caíste e estás em forma?
- Ainda estou melhor
- Melhor do que em forma?
- Claro. Estou em tecnoforma


- Ó homem, não me entres em casa com os sapatos nesse estado!
- Que têm os sapatos?
- Então não vês que estão cheios de relvas?
- Ó diabo, antes a merda do cão!
- Qual cão?
- O cão do miguel...


Afinal, parece que o curso não é válido, mas só se descobriu agora.
Uma no crato e outra na licenciatura...


segunda-feira, 1 de abril de 2013

EM ABRIL, MILAGRES MIL




Nem queria acreditar. Estava ali, em cima de uma árvore, vestido de noiva. O baile de máscaras explicava o vestido. Uma estúpida necessidade fisiológica mais o arrepiante olhar de um animal que lhe surgiu de repente, fizeram o resto. Agora, estava ali, na escuridão da noite, com o rosnar da besta a arrancar-lhe o coração do peito. Rezou durante horas por um milagre que o salvasse ou ao menos o deixasse respirar. O raiar da aurora trouxe finalmente um silêncio que pensava já não existir e mostrou-lhe que o animal se fora. Sentiu um alívio celestial. Relaxado, abriu os braços e espreguiçou-se. Naquele gesto, o vestido de noiva foi trespassado pelos raios de sol e exibiu uma beleza divina. De repente, um ruído. Aterrado, olhou para baixo e viu três crianças que o fixavam incrédulas. Desceu como pôde mas, quando chegou ao chão, já tinham desaparecido. Não perdeu mais tempo. Saiu dali a correr que já chegava de aparições. As crianças, essas falaram e toda a gente ficou a saber. Ainda hoje se conta o episódio embora as datas nem sempre coincidam. Uns dizem que foi em Maio. Outros em Abril. E logo no primeiro dia.