sexta-feira, 21 de abril de 2023

REMÉDIO SANTO

Portugal foi sempre um país de heróis. O primeiro foi el rei o afonso que se alcandorou a tal epíteto por ter lutado estoicamente pela independência. É certo que, tempos depois, angolanos, moçambicanos e guineenses lutaram igualmente pela independência mas, esses, de heróis nada tiveram. Ficaram-se pela designação de terroristas ou conforme a gíria de então, eram "turras". Ao el rei o afonso sucederam-se outros virtuosos heróis como o condestável nuno alvares pereira, que conseguiu os 3 pontos na sempre difícil deslocação a Aljubarrota ou o infante henrique que, não obstante as largas e opacas abas do chapéu, foi um visionário que enviou as nossas embarcações em busca de novos mundos para o mundo mas carregadas de desgraçados e de maltrapilhos para, em caso de correr mal, não haver perda de monta. E não se pense que os heróis nacionais se ficaram pelos idos da História. Pelo contrário, Portugal continuou a trazê-los ao mundo em ufana quantidade e qualidade. Lembremo-nos dos nossos bombeiros, esses soldados da paz e, sobretudo, da solidariedade, que cobram 50 eur por viagem para transportarem doentes não urgentes aos hospitais, ou do presidente de um sindicato de enfermeiros que, num acto de inaúdita bravura, permaneceu quase dois dias sem ingerir alimentos, correndo o elevadíssimo risco de sentir fome, ou do almirante gouveia que, trocando galhardamente a sua alva farda marinheira por um camuflado de combate, modelo chuck norris, tamanho XL, se emboscou atrás de uma secretária e dizimou sem piedade um exército de bichos com muitas patas e poucos escrúpulos. Ou acima de todos, o supremo glorificador da alma lusitana, esse expoente máximo das nossas mais exuberantes e esplendorosas vitórias, de seu nome ronaldo, cris para os amigos.

Vem tudo isto a propósito de uma médica, Diana Pereira, que apresentou recentemente uma queixa na polícia judiciária sobre diversos casos de erros/negligência no serviço de cirurgia do hospital de Faro. O director do dito hospital, por detrás da idoneidade que a cor grisalha das suas barbas encena, apressou-se a condenar tal atitude, por não habitual. Logo a seguir a médica foi afastada de funções, rejeitada pelo orientador e por todos os chefes de serviço do hospital.

Que soubesse jogar à bola, que ganhasse fortunas obscenas a marcar golos num clube de futebol de um país defensor intransigente dos direitos humanos e aí sim, poderia aspirar à heroicidade, agora a denunciar colegas por más práticas clínicas pondo em risco a sua habitual inimputabilidade? 

Pois que seja engolida pela poeira do esquecimento e acabe os seus dias a fazer pensos numa qualquer espelunca médica de província, que dos fracos não reza a História.

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