sexta-feira, 23 de julho de 2021

E LIÇÕES AUTÁRQUICAS?

 

- Ora portantos, toma nota

- Sim sr, cê presidente

- Aquela rotunda é para deitar abaixo

- E o que é que pomos no seu lugar, cê presidente?

- Outra rotunda

- Outra rotunda, cê presidente?

- Claro, só que a que vamos lá pôr é muito moderna. Vai ter o nome da nossa terra em letras grandes, iluminadas a leds

- Muito bem, cê presidente

- Aquele passeio também é para deitar abaixo

- E o que é que pomos no seu lugar, cê presidente?

- Outro passeio

- Outro passeio, cê presidente?

- Claro, só que o passeio que vamos pôr é muito moderno. Vai ser todo rebaixado por causa do acesso a deficientes, o que até dá jeito aos outros munícipes para estacionar os carros, e vai ser todo iluminado a leds

- Muito bem, cê presidente

- E aquela praça também é para ir abaixo

- E metemos outra praça no seu lugar, não é cê presidente?

- Não. No seu lugar metemos uma ciclovia. 

- Uma ciclovia, cê presidente?

- Claro, uma ciclovia muito moderna cheia de mecos e iluminada a leds

- E deixamos de ter praça, cê presidente?

- Claro, as árvores, as flores, os bancos e os coretos deixaram de ser modernos

- Muito bem, cê presidente

- E já agora, a estrada do centro de saúde é para asfaltar

- Mas nós não temos centro de saúde, só temos uma estrada de terra batida que vai dar a um descampado, cê presidente

- Claro, mas tu não percebes que asfaltar estradas é moderno e dá muito voto?

- E a estrada depois de asfaltada, é para levar leds, cê presidente?

quarta-feira, 14 de julho de 2021

FICA EM PARANHOS

 


Um ribombar de trovões e logo um raio cintilante de inteligência rasgou a noite para o trespassar sem apelo nem agravo. Electrizado pela inspiração recebida, talvez atmosférica, quiçá celestial, o autarca precipitou-se sobre o papel, abrindo-lhe sulcos vigorosos com a caneta Montblanc que a mulher lhe ofertara por alturas da tomada de posse. No dia seguinte nascia a obra, uma linha de tinta branca a ladear todo o passeio do cemitério que para ali nada melhor que uma ciclovia. Ganhava a urbe em modernidade, ganhava o único ciclista que por lá passa de longe a longe e ganhava o autarca em  prestígio visionário. 

Um desrespeitador cidadão dos altos desígnios autárquicos entendeu, porém, aparcar o automóvel sobre a imaculada linha, aventurando-se por breves minutos a visitar a campa de familiares. Ainda não tinha dado o terceiro passo no interior do cemitério e já o sobrolho carregado de um agente da autoridade, vestido de líder da montanha da volta à Portugal em bicicleta, o ameaçava de multa, não retirasse ele de imediato a afronta motorizada de cima da alva obra. 

- Acha que criar uma ciclovia à porta de um cemitério é de bom senso? Afoitou-se o cidadão a uma troca de argumentos com a velocipédica autoridade.

- Eu tenho é de fazer cumprir a lei

- Mas imagine que um ciclista aqui chegado se confronta com um funeral a obstruir-lhe a ciclovia. Terá o sr agente de ordenar ao funeral que desmobilize para que passe o ciclista ou, no caso de recusa, de multar todos os que o integram, estou a dizer bem?

- Não, nessa situação tem de imperar o bom senso.

- Mas, um funeral assim aparcado, viola a lei exactamente nos mesmos termos em que o estou a fazer agora

- Já lhe disse que é uma questão de bom senso. Retire a viatura.

O cidadão sentou-se ao volante. Se um sentimento de revolta lhe endurecia a traqueia, não podia, ainda assim, desvalorizar o conforto de um calor ameno a acariciar-lhe a espinha; é que naquele momento ficara a saber que quando chegar a sua hora ninguém será multado por o acompanhar até à última morada. Por uma questão de bom senso. 

O agente ciclista, esse deteve-se mais adiante noutros carros a realizar discretamente o seu sonho de escriturário. Puxou do bloco das multas para o sulcar de contraordenações com uma caneta Parker que a mulher lhe ofertara por alturas da conclusão do curso das novas oportunidades. Para quem não se lembra foi a forma que o sr engenheiro sócrates encontrou para aumentar muito rapidamente as habilitações académicas de uma boa parte da população, atribuindo o 12° ano a todos os que soubessem assinar o nome. Por uma questão de bom senso.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

CERTIFICA-TE

 


- Queria comer

- E certificado?

- Não tenho

- É preciso

- Mas nunca foi

- Agora é

- Mas eu tenho fome

- Sem certificado nada feito

- Ao menos uma bucha

- Não

- Uma dentadinha

- Não

- Uma trincadela...zinha

- Não

- Uma prova rápida?

- Não

Nada mais lhe restou que virar-se para o outro lado com a barriga a dar horas. E ela pôde finalmente dormir sem ter de recorrer à estafada desculpa das dores de cabeça.

sábado, 10 de julho de 2021

DEBAIXO DA LUZ

 


As toupeiras são pequenos mamíferos com um estilo de vida subterrâneo. Têm um corpo cilíndrico, pelagem aveludada e bem tratada, chegando nalguns casos a usar fatos de marca, gravatas de seda e mochilas louis vuitton. Os seus membros posteriores são reduzidos mas em compensação têm membros anteriores curtos e fortes adaptados para cavar na escuridão informações de primordial interesse para um conjunto restrito de indivíduos. Muito restrito mesmo.

O termo toupeira é especialmente usado para a família de toupeiras Talpidae que está presente em abundância na Ásia, na Europa, no novo banco e no benfica.

A época de reprodução das toupeiras depende da espécie. Em regra é de fevereiro a maio, podendo no entanto reproduzirem-se em qualquer momento do ano desde que lhes paguem.

Os locais mais propícios à reprodução das toupeiras são os túneis de terra húmida, as tribunas de honra de estádios de futebol e os hotéis de 5 estrelas com serviço privé.

A dieta das toupeiras é constituída principalmente por minhocas e outros pequenos invertebrados encontrados no solo. Apreciam, no entanto, alimentos de maior porte como contas na Suíça e em paraísos fiscais, viaturas topo de gama incluindo motos de água, moradias com piscina e lugares destacados em administrações de bancos.

As toupeiras são consideradas pragas em alguns países, pelos prejuízos que causam mas, em Portugal, são uma espécie protegida, só podendo ser abatidas com autorização e desde que a velocidade de reprodução seja superior à do abate. 

Problemas causados por toupeiras incluem a contaminação das forragens com partículas de solo, danos em plantas jovens, eliminação de prazos em financiamentos, destruição de avales, de patrimónios de garantia e crescimento acelerado de ervas daninhas nos círculos do poder. Estudos recentes confirmaram ainda que podem contaminar os humanos provocando-lhes graves perdas de memória.

quinta-feira, 8 de julho de 2021

FORA DO JOGO

 


- Tou, jorge, sou eu, o teu amigo

- Olha lá, não me digas que ficaste a dever o almoço no restaurante

- Não, jorge, paguei com 4 pneus novinhos

- Então que queres?

- Ora bem, quer-se dizer, precisava que me desses umas dicas

- Que dicas?

- Ó jorge, digamos que tou aqui preso a um problema e precisava que me ajudasses a libertar-me

- Problema? Que problema?

- Um parecido com o que tu ias tendo quando andaste a comer naquele buffete nocturno

- Qual buffete nocturno? A roullote das bifanas, penso eu de que?

- Não, a das passarinhas com molho salgado

- Já sei, porra, até fiquei à rasca do hemorroidal

- Ó jorge e como é que resolveste?

- Fui a uma clínica muito jeitosa que há em Vigo. Vim de lá como novo

- E tu não me podes levar a essa clínica?

- Poder posso, mas tens de ir disfarçado de nosso adepto

- Ó jorge e o rei dos frangos também pode ir?

- Pode

- E vai disfarçado de quê?

- Como é o rei dos frangos pode ir disfarçado de um dos teus guarda- redes

- Tá bem, jorge

- Olha lá, mas tu tens de levar um dos nossos barretes enfiados até ao pescoço

- Porquê, jorge?

- Por que senão reconhecem-te pelas orelhas...