terça-feira, 30 de junho de 2020

MASCARADA


Há quem diga que passou
Mas eu não vou na cantiga
Para mim nada mudou
Que a cautela é minha amiga

Máscara é fundamental
Nunca me separo dela
O uso que lhe dou é tal
Que até já está amarela

Há dias caiu-me ao chão
Mas não me causou desgosto
Peguei-lhe com uma mão
Pu-la de novo no rosto

Também já me aconteceu
Colocá-la do avesso
Nenhum mal me sucedeu
Eu cá sou dos que mereço

Por ser tão essencial
Uso-a a toda a hora
Mas para não respirar mal
Deixo o meu nariz de fora

E não penso só em mim
Sou prudente e avisado
Empresto-a ao tio quim
À prima e ao meu cunhado

sexta-feira, 12 de junho de 2020

ESTADO MENTAL


Sr deputado cotrim,

A propósito de racismo queixou-se v. exa. na Assembleia da República das manifestações arrepiantes de discriminação e de ódio de que são alvo os investidores bolsistas. Confesso que as suas palavras me acertaram em cheio. Com efeito, não posso ver um investidor bolsista que se me cresce logo um sentimento descontrolado de racismo. Vai daí, aproveitei a actual onda de vandalização de estátuas, adquiri um martelo, um pincel dos grandes, dez litros de tinta para exteriores e meti os pés ao caminho. Calcorreei praças e pracetas, largos e avenidas, jardins e canteiros mas, desgraçadamente, não encontrei uma única estátua de um investidor bolsista onde pudesse descarregar o meu racismo. Não tive outro remédio senão o de aproveitar a tinta e o pincel para pintar o seu retrato numa parede do meu quintal. A seguir usei o martelo e deitei a parede abaixo.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

AI O CARVALHO...


O meu nome é sebastião josé de carvalho e melo mas para vós sou o marquês de Pombal. Chegou-me aos ouvidos que anda por aí uma moda de atirar estátuas de gajos do meu tempo ao rio. Eu tenho uma estátua com que me honraram pelos excepcionais serviços que prestei ao país. Por acaso aprecio-a bastante porque condiz comigo, ou seja, é imponente e vistosa. Aviso-vos já que se vos passar pela mona atirarem-me ao rio limpo-vos o sebo num instantinho, como fiz aos Távoras e fico-vos com o vosso património todo que é um mimo. Se quereis deitar coisas ao rio ele há os Jerónimos, o Padrão dos descobrimentos ou os donos da uber eats e da glovo, estamos entendidos?

quarta-feira, 10 de junho de 2020

PONTE AGUDA




A ganância, o desleixo, a interioridade e o centralismo uniram-se para em 4 de março de 2001 provocarem a tragédia de Entre-os-Rios. A ponte Hintze Ribeiro que ligava Castelo de Paiva a Entre-os-Rios colapsou provocando a morte de 59 pessoas.
A pouca distância do local da tragédia existe outra ponte cujo estado de degradação é tal que foi interditado o trânsito automóvel. Não obstante, continua a servir para a passagem diária de peões, ciclistas e motociclistas. Há muito que a ponte exibe uma crescente deterioração mas, em lugar de a recuperarem, as autoridades públicas optaram por colocarem grades e bolas de ferro para impedir o trânsito e abandonaram-na ao acaso da vida.
Que caia a ponte e logo se inventará um chorrilho de desculpas com votos de pesar à mistura. Essencial é que não caia o novo banco.

sábado, 6 de junho de 2020

A PONTE É UMA MIRAGEM?





Ponte D. Maria Pia. Quem lhe deu o nome deverá, provavelmente, fazer parte do catálogo dos heróis ou das heroínas nacionais, mas esse não me merece interesse especial. A ponte sim. Uma das mais belas obras arquitectónicas da cidade do Porto. A sua elegância rendilhada, deslumbrante de simplicidade, a que se junta uma história riquíssima iniciada no século XIX. Resistindo ao esquecimento a que foi votada continua a mostrar a sua beleza imponente e, infelizmente, a nossa incapacidade para cuidar do património público. Nos últimos 10 anos o crescimento turístico atingiu níveis jamais vistos no Porto mas nem essas receitas adicionais retiraram esta admirável peça de arte do esquecimento. Afectar a ponte à fruição pública seria prestar um serviço incomensurável às cidades do Porto, de Gaia e até ao norte do país. Mas se for para fazer dela mais uma diversão da nova disneylândia ribeirinha então será melhor mantê-la como está. Deixem que, mesmo esquecida, continue mostrar a sua dignidade.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

VOOS MADUROS



- Então o senhor de que se queixa?
- Ò zê doudor é bor cauza dos pezadelos
- Pesadelos de que tipo?
- Bor exemplo, zonhei gue era biloto de abiões e pus o abion a boar invertido
- E a seguir despenhou-se?
- Não zê doudor, as garrafas gue tinham algoól partiram-ze todas e eu num me pude desinfedar
- Teve mais algum pesadelo?
- Zim zenhor, zê doudor Zonhei que era zirurgião e que operei o zérebero dum gajo
- E depois?
- Debois o gajo dinha tanto lixo na cabeça e cheiraba tão mal gue num oberei. Se por ventura tibesse sonhado que era barredor inda dava pa limpar. Azim, não, chega.
- Teve mais algum pesadelo?
- Zonhei que era a zê dra da direzão da zaúde a dizer que os números da bixarada tavam cada bez melhores em todos os lados menos num
- E isso é mau?
- É zim, zê doudor
- Porquê?
- Borque tive de boltar co abion pa trás e não xeguei ao destino.
- E qual era o destino?
- A jamaica, zê doudor.
Por agaso até já me desinfetaba. O zê doudor não tem por aí nenhuma garrafa com algoól, não?

quinta-feira, 4 de junho de 2020

PIRA-TE DOURO






Alguém que, por distracção ou por estar a fazer horas para conferir a actualização dos números da bicheza pela sra dra. directora da DGS, leia estas linhas, poderá pensar que estou a brincar com as palavras mas não; trata-se de facto de um miradouro como a placa de uma das fotos indica. No local, a vegetação selvagem que cresce desordenadamente deixa ver uma nesga do Douro àqueles que se queiram pôr em bicos de pés (prática actualmente muito em voga) justificando, ainda que de raspão, que a placa por ali se mantenha. O lixo e em especial os lenços de papel usados que se vêem por todo o local deixam perceber que o miradouro passou também a servir para o cultivo de amizades ainda que possivelmente fugazes, fruto da navegação, não no rio mas na internet. Finalmente os rails revelam a séria preocupação do Estado com a segurança dos cidadãos, não vão eles passar para o banco de trás das viaturas e esquecerem-se de puxar o travão de mão.
Vem isto a propósito da diferença entre o Portugal que os políticos nos vendem diariamente nos órgãos de comunicação social e o país real. Entre o "todos juntos e unidos" e o "quero que se lixe", entre o "ninguém fica para trás" e "deixa andar que não estou para me incomodar", entre o "temos de reconstruir o futuro " e o "a que horas é que dá o futebol logo?", enfim, entre o que dizemos que somos e o que infelizmente somos.
No próximo dia 10 o sr professor dr presidente vai distribuir presentes sob a forma de condecorações. Pela minha parte já decidi; aos responsáveis por isto que se vê nas fotos condecoro-os com a grande ordem da defesa do bem público pelo olho que não pode mirar o Douro acima.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

A EVOLUÇÃO DO DESCONHECIMENTO




A antiguidade clássica deu à humanidade um filósofo, Sócrates, que um dia disse:
- Só sei que nada sei!
O século XVI deu outro filósofo, Descartes, que um dia disse:
- Penso logo existo!
O século XXI deu mais um filósofo, habitual frequentador da porta do tasco da minha rua que um dia disse:
- Que ça foda!
A confluência destas 3 escolas filosóficas permite-nos uma reflexão profícua embora sucinta sobre a evolução do conhecimento do Homem através dos tempos. "Penso logo existo" é facilmente comprovável quando vamos abastecer a viatura à gasolineira e dizemos para com os nossos botões:
- Penso que há 2 dias estava mais barata, que há 4 dias estava ainda mais barata mas não tenho outro remédio senão abastecer porque penso que sem carro não existo.
"Só sei que nada sei" ganhou nos tempos correntes uma importância acrescida, objectivando a real dimensão da nossa pequenez. De repente apareceu um bicho tão hermético que o Homem, capaz de ir à Lua, de destruir cidades inteiras com mísseis teleguiados ou de descobrir que o tony carreira é uma mentira musical, não descortina nada de eficaz para o combater. O bicho, não o tony. Chegamos então ao busílis da questão; os vastos conhecimentos alcançados ao longo da história da Humanidade esboroaçaram-se desgraçadamente perante um bicho tão pequeno cujas pernas só podem ser vistas ao microscópio. É aqui que entra o nosso filósofo do século XXI; sabe que o bicho vagueia por aí mas sabe que ninguém sabe como o parar; já não tem carro e por isso tem de provar a sua própria existência, solicitando mais um quartilho de maduro tinto. A carteira, porém, não o permite e o plafond de crédito esgotou-se. Aí o nosso filósofo do século XXI sintetiza todo o conhecimento da Humanidade na sua frase mais célebre.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

AMISHS, AMISHS, NEGÓCIOS À PARTE



A custos actuais uma máscara de protecção facial descartável custa cerca de 1 EUR e uma reutilizável cerca de 3. Se eu sugerisse ao nosso governo, que se diz tão temeroso da pandemia, que oferecesse ou vendesse a preços simbólicos as máscaras à população portuguesa seria por certo crucificado. Em primeiro lugar porque a população portuguesa é muito numerosa, muito mais do que a do Liechtenstein, do que a de Andorra ou do que a do próprio Mónaco. Depois acusar-me-iam de estar a boicotar a indústria têxtil nacional que tão rapidamente viu nas máscaras uma excelente oportunidade de negócio para poder continuar a facturar em boa escala, mantendo as costureiras ocupadas com salários mínimos. Finalmente condenar-me-iam por não perceber que o imposto incorporado no preço das máscaras sempre ajuda a tapar a lixeira do novo banco ou a das empresas que, distribuindo avantajados lucros, mantêm em lay off centenas de empregados. Pelo sim pelo não, o melhor é nem pensar nisso e fazer a minha própria máscara. E já agora permito-me dar a mesma sugestão ao ministro da economia; que pegue na agulha e no dedal e faça também a sua. Mas que a faça em tamanho largo para lhe dar tanto para tapar a cara como, em dias de sol, lhe tapar a careca. Eu sempre tive o sonho de ver um ministro amish.