sábado, 22 de fevereiro de 2014
A INOCÊNCIA DA CULPA
- Inocente, Meritísssimo!
- Ò homem, você declara-se inocente quando há testemunhas que o viram roubar?
- Exactamente
- Não compreendo
- Meritissimo, vivo num país onde ministros roubam, secretários de estado roubam, presidentes de câmara roubam, empresários roubam e, tal como eu, são inocentes
- Pois, pois, mas tem testemunhas desses roubos?
- Tenho, Meritíssmo. Dez milhões delas.
- Você confessa que desviou fundos?
- Confesso Meritíssimo, mas desviei os fundos com a melhor das intenções
- Então desviou os fundos para quê?
- Para desimpedir a passagem dos submarinos, Meritíssimo.
- Você vem acusado de corrupção
- Meritíssmo, essa acusação é totalmente infundada
- Está provado que aceitou um carro de alta cilindrada para favorecer interesses
- Meritíssimo, salvo melhor opinião, o crime de corrupção tem de ter dois intervenientes; corruptor e corrompido, certo?
- Certo
- Ora, no caso em apreço apenas houve um interveniente; eu
- Ò homem, explique-se
- É fácil; enquanto presidente da Câmara adjudiquei a obra à empresa de construção que é, por acaso, uma empresa de que sou proprietário. O Meritíssimo não sabe se há uma bomba de gasolina por aqui perto, não?
- O senhor é acusado de andar a enganar as pessoas com mentiras
- Meritíssimo, isso é mentira
- Mentira? Foi ou não foi o senhor que disse que " a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor"?
- Fui, Meritíssimo, mas isso não é mentira
- Então é o quê?
- Campanha eleitoral, Meritíssimo.
- Você está acusado de crime ambiental
- Sim, Meritíssimo, confesso. Eu votei neste governo.
domingo, 16 de fevereiro de 2014
FORAS DA FEI
Mãos ao ar! Isto é um as...falto. - Fó um fegundo. Apanhou do chão a dentadura que lhe tinha saltado como uma mola e recolocou-a na boca. - Virem-se imediatamente contra a... farede. - Fó um fegundo. Novamente a dentadura. Voltou a apanhá-la e abocanhou-a como se a fosse comer. - Agora quero que me tragam as chaves do... fofre. Ainda a dentadura não tinha tocado o chão pela terceira vez e já alguns risos fugazes rompiam o medo inicial. - Fodos calados. Não quero oufir um...fio. O silêncio imperou de novo enquanto a dentadura regressava à cavidade bocal. Num tom altivo embora já pouco confiante ordenou: - Metam o dinheiro todo neste... faco. Os nervos ainda quiseram cerrar-lhe os dentes mas, infelizmente, não lhe era possível. Desfiou uma sucessão de impropérios todos começados por f, embora só num deles tenha acertado a letra inicial. Uma mulher apanhou discretamente a dentadura, aproximou-se dele e sussurrou-lhe que experimentasse a sua. Trocaram-nas dissimuladamente e o assalto decorreu sem mais incidentes. Consumado o roubo, avançou para ela, tomou-a nos braços e beijou-a agradecido. A seguir saiu na correria habitual. Ela foi-lhe no encalço e entrou para o carro já em andamento. Tornaram-se inseparáveis. Um do outro e das suas dentaduras. E a partir desse dia, o mundo passou a olhar com respeito um casal de criminosos que encheu páginas de jornais com as suas façanhas: Fonnie & Flyde.
sábado, 8 de fevereiro de 2014
O SUCESSO DO FRACASSO
- Fracassos, olhó os fracassos!
- Desculpe, o sr. está a vender fracassos?
- Justamente
- Então não sabe que agora as pessoas só querem sucessos?
- Sucessos já há muito quem venda
- Pois, mas é com certeza mais fácil vender sucessos do que fracassos
- Os fracassos são muito mais baratos
- Claro, os sucessos trazem prosperidade, riqueza
- Mas muitos são os sucessos que redundam em tremendos fracassos
- Por vezes é verdade
- Ou seja, não são sucessos, são fracassos caríssimos
- Mas olhe que há sucessos que são verdadeiros sucessos
- Há quem tenha muitos sucessos à custa dos fracassos dos outros
- Pois...
- E há quem acumule sucessos a vender fracassos disfarçados de sucessos
- Depreendo que os seus fracassos não são desses?
- Não, são genuínos
- Como assim?
- São fracassos que ensinam a viver com os fracassos
- Não seria melhor vender sucessos que ensinam a viver com os sucessos?
- Não
- Porquê?
- Entre a obsessão do sucesso e a aceitação do fracasso, onde poderá estar a felicidade?
- Bom, acho que lhe vou comprar um fracasso
- Escolha que eu ofereço
- Obrigado, mas faço questão de pagar
- Não se preocupe. A venda de fracassos está condenada ao sucesso.
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
DUX FALA
- Que opinião tem sobre as praxes?
- Sou a favor. Um gajo obrigar os caloiros a rastejar, pisá-los, enterrá-los em bosta de vaca e por aí fora, está bem.
- Não acha que isso é humilhação?
- Não, é integração.
- Mas já pensou nas praxes que o esperam quando terminar o curso?
- Quando terminar o curso?
- Ser obrigado a rastejar por um emprego precário e mal pago, ser pisado por bestas armados em chefes, ser enterrado em trabalho e por aí fora. Não lhe parece haver semelhanças?
- Ora bem, nós obrigamos o caloiro a andar com orelhas de burro
- Os patrões obrigam o empregado a andar com um barrete de pai natal, na quadra natalícia
- Nós obrigamos o caloiro a cantar músicas pimba na rua
- Os patrões obrigam o empregado a estar calado, senão rua
- Nós obrigamos o caloiro a fazer peditórios para nos encher os bolsos
- Os patrões obrigam o empregado a dar para os peditórios deles
- Mas nós tratamos o caloiro abaixo de cão
- Os patrões ao empregado tiram o pão
- Estou a ver que os patrões também percebem de integração
- Depois desta conversa, ainda é a favor das praxes?
- Sou, sou mas, pelo sim pelo não, quando acabar este curso vou tirar outro.
sábado, 1 de fevereiro de 2014
QUANDO É QUE ME LIVRO?
- Fazia o favor?
- Queria A Ignorância, de Milan Kundera
- Desculpe, não temos...
- Então quero O Ensaio sobre a Lucidez, de José Saramago
- O que quero dizer é que não temos...
- Nesse caso traga-me No Reino Da Dinamarca, de Alexandre O´Neill
- Aqui não há livros
- Esta biblioteca não tem livros?
- Temos café, cerveja, doces, salgados...
- Esta biblioteca tem café, cerveja, doces, salgados?
- E meias de leite...
- Então aquele talho ali ao fundo tem o quê? Carapaus?
- Ora bem, julgo que não...
- E a aquela farmácia em frente? Cimento e tijolos?
- Bom, deve ter medicamentos...
- Então, por que é que esta biblioteca não tem livros?
- Aqui não é uma biblioteca, é uma cafetaria
- Uma cafetaria?
- Exactamente
- Uma cafetaria, aqui?
- Aqui
- E não tem livros?
- Não tem
- Mas sempre teve
- Agora não tem
- Então, traga-me o livro
- Outra vez, já lhe disse que não temos...
- O livro de reclamações. Curto e sem açúcar.
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